
A INFLUÊNCIA CONCENTRAÇÃO DE LEVEDURAS NA FORMAÇÃO DE ETANOL E ESTERES DURANTE FERMENTAÇÃO USANDO MOSTOS DE MÉDIA DENSIDADE
DOI: 10.53934/agronfy-2025-04-06
ISBN: 978-65-85062-25-1
Este capítulo faz parte da coletânea de trabalhos apresentados no II CONGRESSO PARAIBANO DE PROCESSAMENTO E TECNOLOGIA DE ALIMENTOS – Acesse ele aqui.
Maia, LUANNA1; Felizardo, LEVI1; Bizerra-Santos, JÚLIA1; Ribeiro-Filho, NORMANDO1*
1Laboratório de Tecnologia de Produtos Agropecuários, DSER, CCA, Universidade Federal da Paraíba-UFPB, Areia, Paraíba, Brasil
*E-mail para correspondência: normandofilho@cca.ufpb.br
Resumo gráfico

- Introdução
A indústria cervejeira e vinícola tem muitos estudos voltados à identificação, caracterização e aplicação de leveduras; porém, pouco desses estudos tem potencial de adaptação para indústria de destilados e existe pouco conhecimento sobre as leveduras provenientes da cana-de-açúcar. As produções de cachaça utilizam fermento de padeiro ou levedura seca ativa para a produção de etanol como iniciador para o processo de fermentação, enquanto os produtores tradicionais usam fermentos natural (fermentação espontânea) cultivados por vários métodos (Rosa et al. 2009). No início da safra, os produtores, utilizam leveduras existentes no próprio caldo da cana-de-açúcar e preparam um inóculo (“pé-de-cuba)” utilizando farelo de arroz, farinha de milho e/ou bagaço de cana misturados com suco de cana diluído e/ou suco de limão ou laranja para baixar o pH. Porém, todas estas técnicas utilizadas pela indústria da cachaça não têm comprovação científica, sendo adaptações realizadas a partir do conhecimento aplicado de outras indústrias e/ou por conhecimento popular. Apesar da importância do conhecimento popular, se faz necessário ampliar os estudos dos processos para a indústria da cachaça.
Geralmente, a fermentação para produção de cachaça dura de 18 a 30h, dependendo da concentração do mosto, concentração de leveduras e temperaturas local (fermentações conduzidas em sistemas abertos que dependem da temperatura ambiente)(Ribeiro-Filho, 2020). Temperaturas podem variar de acordo com cada região produtora podem chegar a 41°C (Vianna et al. 2008). Embora, os parâmetros de controle pareçam dominados, a necessidade de melhorias para aumentar controle e a qualidades das cachaças são claras; destacamos, principalmente, o desconhecimento das características das leveduras provenientes das produções de cachaças paraibanas como ponto chave e que domesticar as leveduras pode vir a contribuir exponencialmente com o aumento de controle e qualidade das cachaças. Considerando a diversidade ecológica e variedades de cana-de-açúcar, basicamente, o caldo de cana-de-açúcar contém média de 26 mil leveduras/mL que são propagadas e utilizadas no processo de fermentação (Ribeiro-Filho, 2020, Felizardo et al., 2023). Porém, conceitos básicos como quantidade de leveduras inoculadas, influencia da concentração do mosto e controle de temperatura durante a fermentação; e as características das cepas (incluindo potencial de produções de aromas) não é dominado pelos produtores.
A concentração de levedura (CL) e a densidade do mosto (DM) desempenham um papel fundamental na formação da produção de etanol, glicerol e compostos de sabor (incluindo ésteres) durante a fermentação. Apesar do influência da concentração de levedura na velocidade de fermentação ser conhecida, a formação de etanol e ésteres influenciada pela CL e DM não são totalmente compreendidos. Portanto, este trabalho investigou a influência da CL e da DM na formação de etanol e ésteres. Antecipamos que os resultados contribuirão com a melhor conhecimento sobre as leveduras autóctones provenientes da cana-de-açúcar utilizadas pelas unidades produtoras de cachaça. Consequentemente, melhorar o controle do processo de fermentação devido ao balanco entre concentração de leveduras e densidade do mosto. Os resultados contribuirão com o banco de leveduras, e em breve, no desenvolvimento do setor sucroalcooleiro como alicerce do patrimônio alimentar, genético, histórico e cultural paraibano/brasileiro.
- Metodologia
2.1 Obterção de leveduras
Foram utilizadas leveduras do banco de leveduras do CCA/UFPB, que foram isoladas das unidades de produção de cachaça paraibanas.
2.2 Propagação de microrganismos
Cada microrganismo foi cultivado por incubação em YPD (2% glicose, 1% extrato de leveduras e 2% peptona) durante 48 horas a 30 ° C.
2.3 Mini-Fermentações
As fermentações em miniatura (FMs) serão conduzidas usando recipientes de vidro estéreis de 250 mL com tampa acoplado um airlocker. Alíquotas de 200 ml de mosto síntético (90 g de sacarose, 18g de glicose, 12 g de frutose, 10g de extrato de levedura, 20 g de peptona dissolvidos em destilada, aferida em balão volumétrico de 1 L e autoclavada à 121 °C por 15 min). Foram inoculadas com 90×107, 120×107, e 150×107 células/mL. As fermentações foram realizadas a 30 °C durante 24 h, em triplicata monitorando a perda de CO2. Após a fermentação, o mosto fermentado foi separado em vinho e leveduras por centrifugação. O vinho foi submetido as análises fisico-químicas, incluindo pH, acidez total, sólidos solúveis, açúcares redutores totais, açúcares redutores, teor alcoólico e ésteres.
2.4 Viabilidade celular (%)
A viabilidade foi determinada usando avaliação de azul de metileno. 100 mL de azul de metileno (solução estoque de 0,01 g/L) foi dissolvido em solução de citrato de sódio (2% p/v) para uma concentração final de 0,01% (Pierce, 1970). A suspensão de levedura (0,5 mL) foi misturada com solução de azul de metileno (0,5 mL) e incubada por 5 min em temperatura ambiente examinada usadno microscópio (Leitz, Diaplan Microscope). A viabilidade foi calculada considerando a distinção entre células vivas e mortas, foi expressa como uma porcentagem (Da-Silva et al., 2023).
2.5 Parâmetros cinéticos
A descrição da cinética de fermentação será realizada pela velocidade específica de crescimento celular (µx), de consumo de substrato (qs) e de formação do produto (qp); Fatores de conversão: de substrato em biomassa (YX/S), de substrato em produto (YP/S) e de produto em relação ao crescimento celular (YP/X); produtividade média (ou volumétrica) da biomassa e produto (PX e PP).
2.6 Análise estatística
Os dados foram analisados por ANOVA com teste post hoc de Tukey (p < 0,05) para encontrar diferenças significativas (p < 0,05) usando o Microsoft Excel® e o software Statistica® (versão 5.0). A análise de componentes principais (PCA) foi realizada usando o software Statistica® (versão 5.0). A PCA foi aplicada para reduzir a dimensionalidade de conjuntos de dados multivariados complexos com o objetivo de melhorar a interpretabilidade e ajudar na identificação de tendências e correlações entre tratamentos e amostras. Os Critérios de Kaiser, baseados em autovalores maiores que 1 e variância cumulativa > 60%, foram usados para descrever e selecionar os dados para análise.
- Resultados
Foram isoladas duas cepas de leveduras coletadas em duas unidades de produção de cachaça. Alíquotas de 200 mL de mosto sintético preparado a 15 °Brix foram adicioadas a mini-fermentadores com capacidade de 250 mL adaptados com airloker. Foram inoculadas de 90×107, 120×107 e 150 x107 células/mL. As fermentações foram realizadas a 30 °C durante 24 h monitorando a perda de CO2, em triplicata. Após a fermentação, o mosto fermentado foi separado em vinho e leveduras por centrifugação. O vinho passou por diversas análises, incluindo pH, acidez total, sólidos solúveis, açúcares redutores totais, açúcares redutores, teor alcoólico, e ésteres totais. Foram calculados os parâmetros cinéticos de fermentação. Todas os parâmetros fisico-químicos e cinéticos foram submetidos a análise estatistica univariada e multivariada utilizando software Statistica 5.0®.
- Influencia da concentração de leveduras na viabilidade celular
A viabilidade da levedura é um indicador importante da qualidade e desempenho da fermentação, o efeito geral dos tratamentos usando diferentes concentrações de leveduras na viabilidade da levedura é mostrado na Figura 1. Os resultados mostraram que todas as fermentação apresentou viabilidade da levedura de 100% quando comparada ao controle de fermentações, não apresentando nenhuma diferença significativa na viabilidade, o que é um ótimo sinal porque qualquer mudança relacionada aos produtos finais avaliados será uma resposta metabolica da levedura (Figura 1). Portanto, excluiu qualquer influência causada pela morte da levedura.
Figura 1: Viabilidade celular das leveduras (IP e TF) submetidas a fermentações em mosto com desidade média (15° Brix) com inoculação variando de 90×107, 120×107, e 150 x107 células/mL. Cada valor avaliado em 3 réplicas e barra de erro mostrada pelo desvio padrão. |
3.2 Influencia da concentração de leveduras na performan ce fermentativa
Figura 2: Comparação da fermentação de mostos usando diferentes concentrações de leveduras inoculadas em um mosto de média densidade (15° Brix). As fermentações foram acompanhadas por média cumulativa de perda de CO2 (g). Foram utilizadas duas leveduras selecionadas de dois engenhos de cachaça (IP e TF). Cada valor avaliado em 3 réplicas e barra de erro mostrada pelo desvio padrão. |
A perda de CO2 (CO2 loss) é uma forma eficaz de avaliar a performance de fermentação de leveduras. Como esperado, todas as fermentações avaliadas apresentaram perda de CO2 proxima a 6 g/100 mL (60 g/L); porém, o aumento da concentração de leveduras aumentou a velocidade de fermentação, como esperado (Figura 2). As fermentações contendo 90 milhões de células/mL terminaram a 336 h. As fermentações contendo 120 milhões de células/mL apresentaram perda de CO2 de 60 g/L a 96 h (levedura IP) e 72 h (levedura TF). As fermentações contendo 120 milhões de células/mL apresentaram perda de CO2 de 60 g/L a 96 h (levedura IP) e 48 h (levedura TF). A cepa TF apresentou melhor performance de consumo de substrato do que a cepa IP. Todas as cepas testadas usando diferentes concentrações consumiram quantidade semelhante de carboidratos confirmadas pelas suas perdas similares de CO2.
3.3 Influência da concentração de leveduras na qualidade do fermentado
Figura 3: Um gráfico de calor contendo os dados fisico-químicos das fermentações |
Os carboidratos disponíveis no mosto sintético utilizado neste estudo incluem sacarose, glicose e frutose em quantidades médias similares ao caldo de cana-de-açúcar. As amostras IP90 e TF90 apresentaram consumo total dos açúcares totais incluindo açúcares redutores (AR, expressos em glicose) e açúcares não redutores (ANR, expressos em sacarose) (Figura 3/Tabela S1). As amostras IP120, TF120, IP150 e TF150 que apresentaram 2 % de açúcares totais ao final da fermentação (Figura 3/Tabela S1). Estas amostras apresentaram maior residual de sacarose (ANR) do que glicose (AR)(Figura 3/Tabela S1). Ao final da fermentação, os valores encontrados de sólidos solúveis variam de 6 a 9 °Brix (Figura 3/Tabela S1). Isso indica que além dos açúcares existem outros sólidos dissolvidos (incluindo aminoácidos/pequenos peptídeos/peptídeos/polipeptídeos, vitaminas, minerais, lipídeos, etc) e a presença de pequenas leveduras não separadas pela centrifugação devido a suas baixas densidades (Ribeiro-Filho et al. 2021).
Teor alcoólico, acidez e a formação de ésteres são de grande importância para a qualidade das bebidas alcoólicas. As amostras IP90 e TF90 apresentaram os maiores teores alcoólicos do que as demais amostras avaliadas (Figura 3/Tabela S1). Amostra TF150 apresentou menor teor alcoólico entre todas as amostras avaliadas (Figura 3/Tabela S1). Os experimentos que foram conduzidos com menores concentrações de leveduras apresentaram maior geração de etanol (Figura 3/Tabela S1). Portanto, as cepas IP e TF reduziram a geração de alcoól quando a suas concentrações de inoculação foram aumentadas (Figura 3/Tabela S1). Observando a formação de ésteres totais (ET) gerado, IP90 (166 mg/100 mL a.a) apresentou maior concentração de ET (Figura 3/Tabela S1). Por outro lado, a IP120 (68 mg/100 mL a.a) apresentou menor concentração de ET (Figura 3/Tabela S1). Os experimentos que foram conduzidos com menores concentrações de leveduras apresentaram maior geração de ET (Figura 3/Tabela S1). Quanto a acidez, a amostras IP120 (12 mg/100mL) apresentou a maior acidez, em contraste, a amostra IP90 (8,6 mg/100mL) apresentou a menor acidez (Figura 3/Tabela S1). A cepa IP aumentou a geração de ácidos orgânicos quando a suas concentrações de inoculação foram aumentadas (Figura 3/Tabela S1). Por outro lado, a cepa TF não apresentou diferenças significativas quando a concentração de ácidos organicos quando a suas concentrações de inoculação foram aumentadas (Figura 3/Tabela S1). Portanto, fermentações conduzidas com 90 milhões de células/mL apresentaram maior formação alcoólica, alta formação de ésteres, baixa acidez, e baixa viscosidade. Por outro lado, fermentações contendo 120 ou 150 milhões de celulas/mL aumentaram a velocidade fermentativa, mas apresentam baixo teor alcoólico e reduzem a formação de ésteres.
3.4 Influência da concentração de leveduras na qualidade do fermentado
Os parâmetros cinéticos de fermentação (velocidade específica de crescimento microbiano (μ), tempo de duplicação celular (td), velocidade especifica de consumo de substrato (qs), velocidade especifica de formação de etanol (qp), e Y – rendimento) são essenciais para a compreensão do processos fermentativos. Resultados revelam que a amostra TF120 apresentou maior velocidade especifica de crescimento microbiano (μ=0,014 h-1) que resultou um menor tempo de duplicação (td=51 h), maior velocidade especifica de consumo de substrato (qs=0,4 h-1) e maior rendimento de CO2 por grama de substrato consumido (YCO2/S=0,61 g de CO2/g de substrato) (Tabela 1). Por outro lado, as amostras TF90 e IP150 apresentaram velocidade específica de crescimento microbiano (μ=0,003 h-1) que resultou em maiores tempo de duplicação e baixa velocidade específica de consumo de substrato. As amostras IP90 (YCO2/etOH=0,97 g de CO2/g de etanol) e TF90 (YCO2/etOH=0,76 g de CO2/g de etanol) apresentaram menores rendimento de CO2 por grama de etanol gerado, assim como, menores rendimento de CO2 por grama de substrato consumido (YCO2/S=0,5 g de CO2/g de substrato) (Tabela 1). A velocidade específica de crescimento aumentou com o aumento da concentração de leveduras inoculadas; porém, as amostras IP120 e TF120 apresentam velocidade específica de crescimento microbiano maior do que as IP150 e TF150, respectivamente. Portanto, fermentações conduzidas com concentração de leveduras de 90 milhões de células/mL apresentam maior conversão de substrato em etanol.
Tabela 1: Parâmetros cinéticos para diferentes concentrações de leveduras inoculadas em um mosto de média densidade (15° Brix).
Amostras | μ | td | qs | qp | Yp/s | Yp/x | Yx/s | YCO2/EtOH | YCO2/s | YCO2/x |
IP 90 | 0,006 | 107,3 | 0,12 | 0,07 | 0,57 | 10,5 | 0,05 | 0,97 | 0,55 | 10,1 |
TF 90 | 0,003 | 207,8 | 0,12 | 0,08 | 0,68 | 24,3 | 0,03 | 0,76 | 0,52 | 18,4 |
IP 120 | 0,008 | 84,5 | 0,29 | 0,04 | 0,37 | 8,0 | 0,05 | 1,65 | 0,62 | 13,2 |
TF 120 | 0,014 | 51 | 0,40 | 0,05 | 0,46 | 8,3 | 0,06 | 1,35 | 0,61 | 11,1 |
IP 150 | 0,003 | 214,4 | 0,39 | 0,05 | 0,44 | 13,3 | 0,03 | 1,38 | 0,60 | 18,4 |
TF 150 | 0,011 | 62,1 | 0,61 | 0,04 | 0,35 | 7,1 | 0,05 | 1,72 | 0,59 | 12,1 |
μ – velocidade especifica de crescimento microbiano (h-1 ), td – tempo de duplicação celular (h), qs – velocidade especifica de consumo de substrato (h-1 ), qp – velocidade especifica de formação de etanol (h-1 ), Y – rendimento (Yp/s (g de etanol/g de AT), Yp/x (g de etanol/g de células), Yx/s (g de células/g de AT), YCO2/EtOH (g de CO2/g de etanol), YCO2/s (g de CO2/g de substrato), YCO2/x (g de CO2/g de células)). |
Tabela 2: Produtividade para diferentes concentrações de leveduras inoculadas em um mosto de média densidade (15° Brix).
Amostras | Px | Pp | PCO2 |
IP 90 | 0,019 | 0,20 | 0,20 |
TF 90 | 0,010 | 0,24 | 0,18 |
IP 120 | 0,041 | 0,33 | 0,54 |
TF 120 | 0,066 | 0,54 | 0,73 |
IP 150 | 0,038 | 0,51 | 0,70 |
TF 150 | 0,090 | 0,64 | 1,10 |
Px – produtividade celular (g/h), Pp – produtividade de etanol (g/h), PCO2 – produtividade de CO2 (g/h) |
Produtividade é um importante parâmetro cinético para controle de processos fermentativos. O aumento das concentrações de leveduras inoculadas influenciaram a produtividade celular (Px), produtividade de etanol (Pp), e produtividade de CO2 (PCO2)(Tabela 2). TF150 apresentou maior produtividade celular (Px=0,09 g/h), produtividade de etanol (Pp = 0,64 g/h), e produtividade de CO2 (PCO2=1,1 g/h). TF90 apresentou menores Px (0,01 g/h) e PCO2 (0,18 g/h). IP90 apresentou menor Pp (0,20 g/h). Todas as amostras avaliadas apresentaram aumento de Px, Pp e PCO2, pois a produtividade depende do tempo. Portanto, os dados de produtividade confirmam que a velocidade de fermentação aumenta com o aumento da concentração de leveduras inoculadas (Tabela 1/Tabela 2). Porém, gera baixa formação alcoólica, baixa formação de ésteres e com maior acidez (Figura 3/Tabela S1).
3.5 Análise de componente principal para parâmetros físico-químicos e cinéticos
Para a compreensão de toda a correlação linear entre etanol, acidez e ET como marcadores de fermentação e sua correlação com parâmetros físico-químicos e cinéticos, todos os dados foram resumidos usando um PCA (Figura 4). PC1 e PC2 foram responsáveis por 58,3 % e 26,7% da variância, respectivamente, o que totaliza 85% da variabilidade total. PC1 e PC2 representam uma variância cumulativa > 60% e autovalor > 1 (Critérios Kaiser); portanto, foram usados para descrever/selecionar os dados. PC1 separou a amostras TF120, IP120, TF150 E IP150, que contém maiores valores de biomassa de leveduras, CO2 loss, Yx/s, μ, Px, YCO2/s, YCO2/EtOH, PCO2, AT, Pp e AC das amostras IP90 e TF90, que contém maiores valores de TE, pH, TA, Yp/s, Yp/x, td e YCO2/x (Figura 4). PC2 separou TF90, IP150 e TF150, que contém maiores valores de YCO2/s, YCO2/EtOH, PCO2, AT, Pp, AC, Yp/x, td e YCO2/x das amostras IP90, IP120 e TF120, que contém biomassa de leveduras, CO2 loss, Yx/s, μ, Px, TE, pH, TA, e Yp/s (Figura 4).
Figura 4: (a) PCA score plot demonstrando variação no paramentros fisico-químicos e cinéticos para fermentações conduzidas usando diferentes concentrações de leveduras inoculadas em um mosto de média densidade (15° Brix), e (b) PCA loading plot demonstrando variação no paramentros fisico-químicos e cinéticos para fermentações conduzidas usando diferentes concentrações de leveduras inoculadas em um mosto de média densidade (15° Brix). |
O teor alcoólico (TA) apresenta correlações positivas com pH, taxa de geração de produto (qp), rendimento de produto por substrato (Yp/s) e rendimento de produto por biomassa (Yp/x), enquanto possui correlações negativas com acidez total (AT), taxa de consumo de substrato (qs), rendimentos de CO2 por etanol (YCO2/EtOH) e por substrato (YCO2/s), produção específica de biomassa (Px), produto (Pp) e CO2 (PCO2) (Tabela 3). Os ésteres totais (ET) mostram correlação positiva com o pH, mas correlações negativas com acidez e açúcares totais (Tabela 3). A taxa de crescimento (μ) tem correlação negativa com o tempo de duplicação (td) e rendimento de CO2 por biomassa (YCO2/x), mas positiva com o rendimento de biomassa por substrato (Yx/s) e produção específica de biomassa (Px). Por fim, o tempo de duplicação (td) correlaciona-se positivamente com os rendimentos de produto por biomassa (Yp/x) e CO2 por biomassa (YCO2/x), evidenciando interações complexas entre os parâmetros fermentativos (Tabela 3).
Em uma perspectiva industrial, a correlação positiva do TA com pH e rendimentos (Yp/s e Yp/x) sugere que condições mais alcalinas podem favorecer a produção de álcool e melhorar a eficiência do processo. Por outro lado, a correlação negativa com acidez e outros fatores indica que um controle preciso do ambiente fermentativo é crucial para evitar perdas de eficiência e subprodutos indesejados, como geração excessiva de CO2. A correlação positiva dos ésteres totais com o pH e negativa com a acidez e açúcares totais indica que o controle do pH é fundamental para otimizar o perfil de aroma e sabor do produto. A redução da acidez pode ser gerada pela doação de carbonos do ácido acético para a formação do Acetil-CoA e, consequentemente, a geração de ésteres (Ribeiro-Filho et al. 2021). O aumento da formação de ésteres e redução da acidez são benéficos para a qualidade sensorial da bebida.
A correlação negativa com o tempo de duplicação e positiva com rendimentos de biomassa sugere que uma taxa de crescimento mais rápida pode melhorar a eficiência geral da fermentação. Isso pode reduzir o tempo de produção e aumentar a produtividade em biomassa. A correlação positiva do td com os rendimentos Yp/x e YCO2/x indica que tempos de duplicação mais longos podem estar associados a uma produção mais eficiente de biomassa e CO2. Isso pode ser útil em processos que focam na maximização da biomassa ou onde o controle de subprodutos como CO2 é importante. No contexto estudado, fermentações mais lentas promovem maior formação alcoólico e maior formação de ésteres; por outro lado, geram produtos com baixa acidez, menor formação de biomassa e CO2.
Tabela 3: Tabela de person para parâmetros fisico-químicos e cinéticos |
- Discussão
A influência concentração de leveduras na formação de etanol e ésteres durante fermentação usando mostos de média densidade foi investigada. Nossos resultados revelam que a concentração de leveduras inoculadas utilizando mosto sintético influenciam na performance fermentações incluindo parâmetros de qualidade e parâmetros cinéticos. Embora a concentração de leveduras inoculadas influencie na performance fermentações, foi observado que a viabilidade celular não foi afetada, eliminando influências negativas da morte celular no processo fermentativo (Da-Silva et al. 2023). As taxas de perda de CO2 indicaram que o aumento da concentração de leveduras acelerou a velocidade da fermentação, sendo que a cepa TF demonstrou maior eficiência no consumo do substrato comparada à cepa IP (Figura 2). Amostras com menores concentrações de leveduras (90×10^7 células/mL) apresentaram maior produção de etanol e ésteres; e menor acidez (Figura 3/Tabela S1). Por outro lado, concentrações mais altas (120×10^7 e 150×10^7 células/mL) resultaram em menor teor alcoólico e ésteres, mas aumentaram a velocidade fermentativa (Figura 3/Tabela S1).
Os parâmetros cinéticos revelaram que a amostra TF120 apresentou uma rápida adaptação e reprodução das leveduras durante a fermentação, gerando as condições mais eficientes de geração de CO2 (Tabela 1). Entretanto, as amostras TF90 e IP90 apresentaram menores taxas de crescimento e consumo de substrato, resultado em fermentações mais lenta (Tabela 1). Amostras com taxas de crescimento e consumo de substrato menores, como TF90 e IP90, resultam em fermentações mais lentas. Embora isso possa parecer menos eficiente, há vantagens potenciais, como maior desenvolvimento de compostos responsáveis por aromas e sabores, gerando ebidas alcoólicas com perfis sensoriais mais complexos e diferenciados.
A análise de componentes principais (PCA) demonstrou correlações importantes entre os parâmetros fisico-químicos e cinéticos. O teor alcoólico correlacionou-se positivamente com o pH e rendimentos de produto por substrato (Yp/s) e biomassa (Yp/x), sugerindo que condições mais alcalinas podem favorecer a produção de álcool e a eficiência do processo. A formação de ésteres totais (ET) também mostrou correlações positivas com o pH e negativas com a acidez e os açúcares totais, destacando a importância do controle do pH na qualidade sensorial do produto. Nas condições estudadas, fermentações inoculadas com 90 milhões de células de leveduras autóctones/mL (selecionadas das unidades produtoras de cachaça) geram fermentações lentas quando comparadas a fermentações inoculadas com 120 ou 150 milhões de celulas/mL; porém, favorecem uma maior produção de etanol e ésteres, enquanto fermentações mais rápidas aumentam a velocidade de produção, mas com redução na qualidade sensorial do produto.
A concentração de levedura e a densidade do mosto desempenham um papel fundamental na formação da produção de etanol, glicerol e compostos de sabor durante a fermentação com Saccharomyces cerevisiae (Nadal e Posas 2022, Johnson et al. 2021). Sob estresse osmótico, leveduras ativam a via do glicerol de alta osmolaridade (HOG), respondem dinamicamente às mudanças nas condições de fermentação (Nadal e Posas 2022). A ativação da via HOG, como mecanismo de sobrevivência, foi observado nos nossos experimentos. À medida que aumentou a concentração de leveduras inoculadas houve o aumento da viscosidade do mosto fermentado. Esta observação foi visual; portanto, necessidade de experimentos futuros que avaliem a formação de glicerol gerado. A concentração de levedura influenciou a taxa de consumo de açúcares, afetando o equilíbrio de produção entre etanol e glicerol (Nadal e Posas 2022, Johnson et al. 2021). Nossos resultados mostram que as amostras que usaram maiores concentrações de leveduras geraram menor formação de etanol, menor formação de ésteres, menor viscosidade e e maior acidez. Portanto, a concentração de levedura, além de afetar formação de etanol, glicerol, e acidez, essa também influencia a formação de formam aroma e sabor, consequentemente, influenciam o perfil sensorial geral do produto fermentado.
O presente trabalho abre caminho para uma melhor compreensão do uso e controle de leveduras autóctones provenientes de cana-de-açúcar usadas nas indústrias de cachaça. Porém, trabalhos futuros são necessários incluindo Estudos similares utilizando outras cepas de leveduras autóctones selecionadas de outras unidades produtoras de cachaça e selecionadas de variedades de cana-de-açúcar; Comparar a performance fermentativa das cepas de leveduras autóctones de cana-de-açúcar com leveduras utilizadas em industriais de porte como vinho, cerveja e whiskey; Avaliar o reuso de leveduras durante ciclos fermentativos considerando a manutenção de performance e formação de aromas; e Avaliar a performance fermentativa das cepas de leveduras autóctones usando mostos de alta densidade. A concentração de leveduras é crucial para otimizar a fermentação, com implicações diretas na qualidade sensorial e eficiência do processo. Nossos resultados podem ser utilizados para tomadas de decisão educadas nas indústrias de cachaça e pode vir a ser útil para outras indústrias de bebidas e produções de etanol.
- Conclusão
O estudo avaliou o impacto de diferentes concentrações de leveduras na fermentação de mosto sintético, utilizando duas cepas (IP e TF) isoladas de unidades de produção de cachaça. A viabilidade celular não foi significativamente afetada. O aumento da concentração de leveduras inoculadas acelerou a fermentação, mas reduziu a formação de etanol e ésteres. Fermentações conduzidas com menores concentrações de leveduras (90×10⁷ células/mL) resultaram em maior teor alcoólico e maior formação de ésteres, associadas a uma menor acidez. A amostra TF120 apresentou a maior velocidade específica de crescimento microbiano e menor tempo de duplicação celular, evidenciando maior eficiência no consumo de substrato e maior rendimento de CO2. A análise de componentes principais (PCA) revelou correlações significativas entre variáveis físico-químicas e cinéticas, destacando que condições de fermentações mais alcalinas favorecem a produção de álcool e ésteres. Por outro lado, altas concentrações de leveduras resultaram em maior acidez e menor rendimento alcoólico. Dessa forma, fermentações mais lentas, com menores concentrações de leveduras, são recomendadas para otimizar a produção de álcool e ésteres.
Agradecimentos
Agradecemos à Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (FAPESQ-PB) pela bolsa de iniciação científica e a Universidade Federal da Paraíba pela infraestrutura dos laboratórios disponibilizada.
Referencias
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