BACTÉRIAS MALÉFICAS NA PRODUÇÃO DE PRODUTOSLÁCTEOS
Este capítulo faz parte da coletânea de trabalhos apresentados na VII Semana de Alimentos (Semal), publicado no livro: Avanços e Pesquisas em Ciência dos Alimentos: Novas Tendências e Aplicações. – Acesse ele aqui.
DOI: 10.53934/agronfy-2025-03-15
ISBN:
Taynna Cristiny de Sousa Silva *; Wallacy Barbacena Rosa Santos ; Wanderson Ribeiro de Assis ; Maria Salomé Guimarães de Mello Lucas ; Joaquim Gustavo Borges Teodoro ; Yasmin Honório Silva ; Verônica de Freitas Silva ; Laryssa Rodrigues da Silva ; Hellen Cristina de Farias Barros ; Arthur Cezário Pires
*Autor correspondente (Corresponding author) –Email: taynna.silva@estudante.ifgoiano.edu.br;
RESUMO
A indústria de laticínios é uma das mais importantes no setor de alimentos, sendo responsável por fornecer nutrientes essenciais. A composição do leite gera um ambiente propício ao crescimento de microrganismos, como as bactérias maléficas. A presença de bactérias prejudiciais impacta tanto a qualidade quanto a segurança alimentar de produtos consumidos, podendo causar doenças graves. Esses microrganismos podem se multiplicar em diferentes etapas do processo de produção e armazenamento, especialmente quando há falhas nas condições de higiene ou no controle de temperatura. Entre os principais problemas estão as bactérias psicrotróficas, capazes de crescer em temperaturas abaixo de 7°C, sendo um dos principais agentes de deterioração dos produtos lácteos. A contaminação pode ocorrer em várias fases, desde a ordenha leite até o processamento e armazenamento final do produto. As bactérias psicrotróficas, especialmente Pseudomonas spp., Acinetobacter, Bacillus e Listeria monocytogenes, produzem enzimas extracelulares, que permanecem ativas mesmo após tratamentos térmicos. A degradação precoce dos produtos lácteos leva a uma redução significativa da vida útil de prateleira, resultando em perdas financeiras devido à rejeição ou descarte de lotes contaminados. A implementação de práticas rigorosas de higiene na indústria de laticínios é uma das principais estratégias para controlar essas bactérias. A análise destaca que falhas na higiene, armazenamento e transporte são fatores-chave na proliferação desses microrganismos. Neste caso, práticas rigorosas de higiene, controle de temperatura e monitoramento constante em todas as etapas da cadeia produtiva são essenciais para minimizar o impacto dessas bactérias.
Palavras–chave: bactérias psicrotróficas; contaminação; leite
INTRODUÇÃO
Uma das commodities (produtos de origem agropecuária) mais importantes e abundantes no mundo é o leite, ficando entre os cinco produtos mais comercializados, em volume e em valor, o segmento de laticínios está entre os mais importantes da indústria de alimentos brasileira, perdendo apenas para o setor de derivados de carne, chegando a um faturamento de R$ 68 bilhões em 2018 [1].
A indústria de laticínios é uma das mais importantes no setor de alimentos, sendo responsável por fornecer nutrientes essenciais. Contudo, produtos lácteos podem ser suscetíveis à presença de bactérias, tanto benéficas, como as bactérias do ácido lático (BAL), amplamente utilizadas na fermentação, como dos gêneros Lactococcus, Streptococcus, Lactobacillus, Leuconostoc e Enterococcus, quanto prejudiciais, como as psicrotróficas (Pseudomonas) e psicrotolerantes (Bacillus), que causam deterioração e problemas de segurança alimentar [2].
A composição do leite, caracterizada por seu elevado teor de água e alta disponibilidade de nutrientes essenciais, como proteínas, carboidratos, gorduras, vitaminas e minerais, gera um ambiente propício ao crescimento de microrganismos, como as bactérias maléficas (CIMMINO, 2023). Esse tipo de bactérias pode impactar negativamente na qualidade do leite e seus derivados, alterando seu odor, sabor, textura, e interferindo na sua vida útil de prateleira, causando inchaços na embalagem. Além de impactar drasticamente na qualidade do produto, e na segurança alimentar de seus consumidores [3].
Além disso, esses microrganismos podem causar doenças graves e frequentemente estão associados a surtos de doenças transmitidas por alimentos (DTAs). A segurança microbiológica dos laticínios depende de práticas rigorosas em todas as etapas de produção, desde a higienização do local de ordenha, da coleta do leite pelo transporte, processo de fabricação, e comercialização. Esses itens são requisitos obrigatórios para a qualidade do leite, sendo utilizadas para aumentar a vida de prateleira e garantir a segurança alimentar e a qualidade do produto final [4].
Este trabalho apresenta uma revisão sobre as bactérias maléficas presentes em produtos lácteos, explorando seus mecanismos de contaminação, os impactos na qualidade sensorial e segurança dos alimentos, além de métodos de controle.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 BACTÉRIAS MALÉFICAS EM PRODUTOS LÁCTEOS
A presença de bactérias prejudiciais na produção de laticínios representa um desafio significativo para a indústria, impactando tanto a qualidade quanto a segurança alimentar de produtos amplamente consumidos. Esses microrganismos podem se multiplicar em diferentes etapas do processo de produção e armazenamento, especialmente quando há falhas nas condições de higiene ou no controle de temperatura [5].
Entre os principais problemas estão: as bactérias psicrotróficas (Pseudomonas e Bacillus), capazes de crescer em temperaturas abaixo de 7°C, sendo um dos principais agentes de deterioração dos produtos lácteos, mesmo em ambientes refrigerados [6]; as bactérias Listeria monocytogenes, que é uma bactéria maléfica amplamente conhecida por causar a listeriose, uma infecção alimentar grave que pode levar a complicações severas. Um dos fatores que tornam essa bactéria preocupante é sua alta resistência aambientes refrigerados, permitindo que se multiplique mesmo em temperaturas próximas a 0°C [7]; e as bactérias patogênicas (Salmonella spp., Escherichia coli, e Staphylococcus aureus) podem ser introduzidas por meio de práticas inadequadas de higiene ou por água contaminada usada na limpeza de equipamentos [8].
Além das bactérias psicrotróficas e patogênicas já mencionadas, outros microrganismos também podem representar sérios riscos à qualidade e segurança de produtos lácteos. As bactérias do gênero Clostridium, como Clostridium botulinum, causadoras do botulismo, são notórias pela produção de toxinas que podem ser fatais. Embora sua presença em laticínios seja rara devido ao processamento térmico, seu risco aumenta quando há falhas nos procedimentos de conservação e armazenamento, especialmente em produtos como queijos e leite não pasteurizado. A Clostridium perfringens, por sua vez, pode ser encontrada em alimentos mal cozidos e inadequadamente armazenados, produzindo esporos que sobrevivem ao calor e se proliferam sob condições inadequadas de refrigeração [9,10].
2.2 CONTAMINAÇÃO E FATORES DE RISCO
A contaminação pode ocorrer em várias fases, desde a ordenha leite até o processamento e armazenamento final do produto. Fontes comuns incluem: o ambiente de ordenha, onde a falta de higiene nas instalações e equipamentos utilizados na ordenha é uma das principais causas de contaminação; a manipulação e processamento, no qual consiste em falhas no processamento térmico, como a pasteurização inadequada, podem permitir a sobrevivência de bactérias [11].
O armazenamento inadequado, em especial quando a temperatura não é controlada corretamente durante o transporte ou em unidades de armazenamento, pode resultar na proliferação de bactérias psicrotróficas, como Pseudomonas e Bacillus, que são capazes de crescer em ambientes refrigerados. Além disso, a contaminação cruzada durante o transporte, devido ao manuseio inadequado ou à utilização de embalagens não seguras, também é uma preocupação. Para amenizar esses riscos, é necessário garantir que todas as etapas do transporte e armazenamento estejam em conformidade com as boas práticas de fabricação e segurança alimentar, mantendo os produtos a temperaturas apropriadas para prevenir a multiplicação de microrganismos [12].
A ingestão desses produtos lácteos contaminados pode ocasionar a diversas intoxicações alimentares ao consumidor, tendo os principais sintomas: náuseas, vômitos, diarreia, febre e cólicas abdominais. Esses sintomas podem surgir horas após o consumo ou demorar dias para se manifestar, dependendo do organismo responsável [8].
2.3 IMPACTOS NA QUALIDADE DOS PRODUTOS LACTEOS
As bactérias psicrotróficas, especialmente Pseudomonas spp., Acinetobacter, Bacillus e Listeria monocytogenes, produzem enzimas extracelulares, como lipases e proteases, que permanecem ativas mesmo após tratamentos térmicos, como a pasteurização e o processamento UHT. Essas enzimas degradam as proteínas e gorduras do leite, resultando em alterações indesejáveis, como sabor amargo, cor diferente (figura 1), textura granulada, odor desagradável, e até mesmo o inchaço das embalagens devido à produção de gases (na figura 2), o que reduz a vida útil de prateleira e a qualidade sensorial dos produtos lácteos [13].



Essas enzimas causam alterações sensoriais no leite e derivados, como sabor amargo, odor desagradável e textura alterada, o que pode impactar significativamente a produção de queijos (figura 3) e iogurtes. Em condições inadequadas de higiene na ordenha e no armazenamento, a presença de bactérias psicrotróficas pode atingir até 75% da microbiota total do leite, especialmente em ambientes onde a água utilizada para limpeza dos equipamentos é contaminada [14].
Além das alterações sensoriais, essas bactérias comprometem a eficiência econômica da cadeia produtiva. A degradação precoce dos produtos lácteos leva a uma redução significativa da vida útil de prateleira, resultando em perdas financeiras devido à rejeição ou descarte de lotes contaminados. Isso afeta diretamente a competitividade das indústrias, que precisam investir em soluções mais avançadas, como processos de higienização rigorosos, controle microbiológico eficiente e monitoramento da cadeia de frio, para minimizar os riscos de contaminação por psicrotróficos [15].
A presença de bactérias psicrotróficas em produtos lácteos também tem impactos significativos na sustentabilidade da produção. A deterioração causada por essas bactérias leva ao descarte de grandes volumes de leite e derivados, gerando desperdício de recursos naturais, como água e energia, utilizados em sua produção. Além disso, os custos adicionais relacionados à higienização de equipamentos, à implementação de tecnologias de monitoramento microbiológico e ao desenvolvimento de embalagens com maior barreira antimicrobiana são um desafio para a competitividade da indústria, especialmente para pequenos produtores [15].
2.4 MÉTODOS E CONTROLES DE BACTÉRIAS MALÉFICAS
A implementação de práticas rigorosas de higiene na indústria de laticínios éuma das principais estratégias para controlar bactérias maléficas. Essas práticas incluem a limpeza e desinfecção frequente de equipamentos, superfícies e ambientes de produção, com uso de agentes antimicrobianos específicos que eliminam microrganismos resistentes. A adoção de sistemas automatizados de monitoramento microbiológico também auxilia na identificação precoce de contaminações, permitindo ações corretivas rápidas e eficazes para evitar a disseminação de patógenos na cadeia de produção [8].
A manutenção da cadeia de frio é outra medida essencial para minimizar a proliferação de bactérias prejudiciais durante o armazenamento e transporte de produtos lácteos. Temperaturas abaixo de 4°C inibem significativamente o crescimento de psicrotróficos, como Pseudomonas spp. e Listeria monocytogenes. Tecnologias avançadas, como sensores de temperatura em tempo real e embalagens inteligentes, estão sendo amplamente utilizadas para garantir a integridade térmica dos produtos durante a logística, reduzindo o risco de deterioração e prolongando sua vida útil [15].
Controlar a contaminação dessas bactérias é crucial para a qualidade dos lácteos, essas são medidas essenciais para minimizar seu impacto. Dado o impacto significativo dessas bactérias, a indústria de laticínios busca melhorar continuamente os processos de higiene e conservação, com foco em práticas rigorosas de desinfecção e manutenção da cadeia de frio. Isso assegura não apenas a qualidade sensorial dos produtos, mas também a saúde dos consumidores, fortalecendo a confiança no setor de lácteos e evitando perdas econômicas devido à deterioração e descarte de produtos contaminados [16].
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A revisão mostra que a presença de bactérias nocivas na produção de lacticínios coloca desafios significativos à qualidade sensorial e à segurança alimentar. Microrganismos como Pseudomonas, Bacillus e Listeria monocytogenes não só têm um impacto negativo no prazo de validade e no sabor dos produtos, como também representam sérios riscos para a saúde pública e estão frequentemente associados a surtos de doenças de origem alimentar.
A análise destaca que falhas na higiene, armazenamento e transporte são fatoreschave na proliferação desses microrganismos. Neste caso, práticas rigorosas de higiene,controle de temperatura e monitoramento constante em todas as etapas da cadeia produtiva são essenciais para minimizar o impacto dessas bactérias.
No entanto, permanecem lacunas na literatura relativamente ao impacto de métodos inovadores de detecção e controle em ambientes industriais e práticas regionais na qualidade microbiana do leite. Portanto, além de destacar a importância da segurança microbiológica, este estudo ajudará a aumentar a conscientização sobre as melhores práticas na produção de laticínios e a aumentar a confiança na indústria e na qualidade dos produtos oferecidos.
4. AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu orientador Dr. Wallacy Barbacena Rosa Santos, pelo apoio, pelo incentivo antes e durante a realização deste trabalho. Também gostaria de agradecer a minha instituição de ensino, o Instituto Federal Goiano pelas oportunidades, e também aos meus colegas de pesquisa do grupo de estudos NUTRIPAR, cuja troca de ideias foi essencial para enriquecer esta revisão, e a minha vida. E por fim agradecer ao evento da VII Semana de Alimentos por disponibilizar o espaço para a publicação do capítulo de livro.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] SANTOS, B.; NEVES, A. Z.; RIBEIRO, L. F. Importância do bem-estar animal na bovinocultura de leite. GETEC, v. 10, n. 26, p. 126-133, 2021. Disponível em: <https://revistas.fucamp.edu.br/index.php/getec/article/view/2376> Acesso em: 05 de dez. de 2024.
[2] TILOCA, B. et al. Microbiota do leite: métodos de caracterização e papel na produção de queijo. Journal of Proteomics, 210:103534, 2020.
[3] CIMMINO, Fabiano et al. Role of Milk Micronutrients in Human Health. Frontiers In Bioscience-Landmark, [S.L.], v. 28, n. 2, p. 41-57, 28 fev. 2023. IMR Press. Disponível em: <https://revistas.fucamp.edu.br/index.php/getec/article/view/2387> Acesso em: 20 de nov. de 2024.
[4] SANDOVAL, V. L.; RIBEIRO, L. F. Qualidade do leite: sua influência no processamento, requisitos obrigatórios e sua importância para o produto final. GETEC, v. 10, n. 28, p. 41-49, 2021. Disponível em: <https://revistas.fucamp.edu.br/index.php/getec/article/view/2387> Acesso em: 20 de nov. de 2024.
[5] FERRO, C.M.M. Desafios microbiológicos da indústria de laticínios, 2024. Disponível em <https://blog.neoprospecta.com/desafios-microbiologicos-da-industriade-laticinios/>. Acesso em: 06 de dez. de 2024.
[6] CHRYSSANTHOU, E., et al. (2019). Psychrotrophic Bacteria and Their Role in Milk Spoilage: Detection and Control Strategies. International Journal of Dairy Science.
[7] CAI, L., et al. (2020). Listeria monocytogenes in Dairy Products: Growth and Control Strategies. Dairy Science & Technology, 100(1), 1-19. doi: 10.1007/s13594- 020-00236-5.
[8] Empresa brasileira de pesquisa agropecuária (EMBRAPA). Microbiologia de alimentos: Riscos de contaminação bacteriana. Brasília: EMBRAPA; 2020.
[9] Gänzle, M. G. (2015). Lactic acid bacteria in dairy products. Food Research International.[10] Boudra, H. (2017). Contaminación bacteriana en productos lácteos. Revista de Ciencia y Tecnología Alimentaria.
[11] CHRYSSANTHOU, A. et al. Bacterial contamination of dairy products: A review of issues in food safety. Journal of Dairy Science, v. 102, n. 8, p. 6601-6614, 2019. doi: 10.3168/jds.2019-16852.
[12] FERRO, T. et al. Impacto das falhas no processamento e armazenamento de produtos lácteos na segurança alimentar. Revista de Ciências de Alimentos, v. 39, n. 4, p. 453-461, 2020.
[13] MUNSCH-ALATOSSAVA, P.; ALATOSSAVA, T. The challenges and potential of psychrotrophic bacteria in dairy products. International Journal of Dairy Technology, v. 59, n. 1, p. 55–61, 2006. DOI: 10.1111/j.1471-0307.2006.00248.x [figura 1] ARQUIVO. Consumidora compra leite estragado mesmo na validade em supermercado de Campo Grande. Disponível em: <https://midiamax.uol.com.br/cotidiano/consumidor/2021/consumidora-compra-leiteestragado-mesmo-na-validade-em-supermercado-de-campo-grande/>. Acesso em: 23 nov. 2024.[figura 2] Caixa de leite estufada., [s.d.]. Disponível em: <https://encryptedtbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcSe9QKobAziK2zVMzxcujyIUdZ3cag5_VqTQ&s>. Acesso em: 23 nov. 2024.
[14] FLEURINHO, F.; GIRAFFA, G. Behavior of psychrotrophic microorganisms in milk and dairy products under cold storage. Dairy Science and Technology, v. 102, n. 3, p. 450–460, 2021. DOI: 10.3168/jds.2020-19788.
[15] SÁNCHEZ, A. et al. Psychrotrophic bacteria and their negative effects on dairy products. Comprehensive Reviews in Food Science and Food Safety, v. 19, n. 5, p. 2134-2150, 2020. DOI: 10.1111/1541-4337.12630.
[16] SILVA, João. Práticas de higiene na indústria de laticínios. 3. Ed. São Paulo: Editora Qualidade, 2024.