BEBIDA ALCOÓLICA MISTA À BASE DE MEL, PITAYA E MARACUJÁ: INOVAÇÃO NO MERCADO DE FERMENTADOS


DOI: 10.53934/agronfy-2025-04-10

ISBN: 978-65-85062-25-1

Este capítulo faz parte da coletânea de trabalhos apresentados no II CONGRESSO PARAIBANO DE PROCESSAMENTO E TECNOLOGIA DE ALIMENTOS – Acesse ele aqui.

Silva, PATRÍCIA SANTOS da1;

 Santana, LUCIANA CRISTINA Lins de Aquino2.

1 Mestra em Ciência e Tecnologia de Alimentos (UFS), Técnica em Química na Área técnico-científica/ EMBRAPA Tabuleiros Costeiros, Aracaju/SE.

2 Doutora em Engenharia Química, Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos/ Universidade Federal de Sergipe-UFS.

Resumo gráfico

1 Introdução

Os consumidores estão cada vez mais em busca de bebidas alcoólicas naturais, livres de aditivos químicos, e que proporcionem experiências mais autênticas e saudáveis. Esses produtos são valorizados por oferecerem ingredientes puros e orgânicos, promovendo uma alimentação mais saudável e sustentável (Asioli et al. 2017; Castellini & Samoggia, 2018).

O Brasil é um grande produtor de mel apícola de qualidade reconhecida, contabilizando 64,2 mil toneladas de mel em 2023 (IBGE, 2024). No entanto, o consumo interno per capita é pequeno, girando em torno de 80g por pessoa ao ano, quando comprado ao de países como a Alemanha, onde esse consumo ultrapassa 1Kg de mel per capita ao ano. A maior parte do mel produzido no nosso país é destinado à exportação, tendo os Estados Unidos como os maiores compradores (FAO, 2022).

Nosso país também figura entre os cinco maiores produtores de culturas frutíferas, no mundo. Entretanto, há muitas perdas dessas frutas, principalmente na etapa de pós-colheita, atingindo cerca de 40% de perda das produções (FAO, 2022; EMBRAPA, 2024). Portanto, é imprescindível ter alternativas para evitar desperdícios e aumentar a renda do agricultor e o uso dessas frutas para produção de bebidas fermentadas mostra-se uma excelente alternativa. O principal objetivo de aplicação de frutas, seja in natura, em forma de polpa ou até mesmo resíduos da agroindústria (cascas, sementes e bagaço) para produção de fermentados, é conferir corpo, sabor, aroma e proporcionar identidade peculiar à bebida. (Pino et al., 2019; Freire et al., 2020; Savić et al., 2021).

Nesse contexto, A pitaia ou pitaya, cactácea conhecida também como fruta do dragão, cujas cultivares comerciais, do gênero Hylocereus, são originárias das florestas tropicais do México, América Central e América do Sul (Vizzotto et al., 2016). O fruto é rico em betalaínas, corante naturalmente encontrado em espécies botânicas pigmentadas de vermelho-violeta, laranja e amarelo, além de possui consideráveis concentrações de compostos fenólicos com atividade antioxidante, minerais como potássio, sódio, cálcio, magnésio, ferro e fósforo e vitamina C (Freitas et al., 2021; Vizzotto et al., 2016). A cor das betalaínas é próxima à das antocianinas, sendo três vezes mais forte, mais solúvel em água e mais estável em pH baixo (3,0-7,0), do que as antocianinas (Sadowska-Bartosz & Bartosz, 2021), suportando até tratamentos térmicos como a pasteurização, em meio acidificado (Azeredo, 2009).

Outra cultura de interesse no Brasil é o maracujá (Passiflora sp.), originário das Américas Tropical e Subtropical, existindo mais de 500 espécies. O fruto possui características sensoriais e nutricionais exploradas comercialmente, exibindo sabor e aroma exóticos e boa composição nutricional, sendo fonte de potássio, ferro, fósforo e cálcio, além de vitaminas A, C e do complexo B (Zeraik et al., 2010), além de grande quantidade de compostos fenólicos com atividade antioxidante (Santos et al., 2021; Weber et al., 2021).

Não foram encontradas na literatura, referências de bebidas alcoólicas fermentadas, elaboradas com mel, pitaya e maracujá. Dessa forma, o objetivo do estudo foi desenvolver uma bebida alcoólica mista, via processo fermentativo, naturalmente gaseificada, tendo essas matérias-primas como base, sem adição de adjuntos químicos artificiais; além de avaliar as características físico-químicas, o potencial antioxidante e o perfil de compostos voláteis da bebida.

2 Metodologia

2.1 Matéria-prima

  • Mel: O mel apícola foi adquirido de apicultora do município de Monte Alegre, Sertão Sergipano, coordenadas 10°01’37” S; 37°33’43”O, localizado a 146 Km da capital do Estado.
  • Frutas: Os frutos de pitaia de maracujá foram comprados maduros de produtor rural, no município de São Domingos, localizado no Agreste sergipano, coordenadas 10°48’02.4” S 37°32’20.2”W, a 73Km da capital Aracaju.
  • Água: Foi usada água potável, filtrada, isenta de cloro, proveniente da rede pública de abastecimento.
  • Leveduras: Foram utilizadas cepas leveduras Saccharomyces cerevisiae liofilizadas, da marca Mangrove Jack’s M05 (Mangrove Jack’s, Auckland-North Island, Nova Zelândia), apropriada para uso em mostos com alta densidade.
  • Nutrientes para leveduras: Além dos minerais e vitaminas contidos no mel e nos frutos, foi utilizado pólen apícola desidratado, da marca Meljupira, adquirido apicultor, no município de Aracaju/SE.

2.2 Reagentes Químicos

Os reagentes químicos Hidróxido de Sódio (NaOH), Carbonato de Sódio (Na2CO3), Fenolftaleína, Dicromato de Sódio (Na2Cr2O7·2H2O), Cloreto de Sódio (NaCl) e Álcool Etílico foram adquiridos da Dinâmica® (Química Contemporânea LTDA, Indaiatuba, SP, Brasil). Enquanto os reagentes Trolox, ABTS (2,2′-azino-di-(3-etilbenzotiazolina ácido sulfônico), FRAP (poder antioxidante de redução de ferro), 1-octanol e a mistura de hidrocarbonetos C7-C30 foram adquiridos da Sigma Aldrich (St Louis, Missouri, EUA).

2.3 Produção da Bebida Alcoólica Mista

A produção da bebida ocorreu conforme Da Silva (2023), com algumas variações, a fim de avaliar outras possibilidades tecnológicas. O mosto (1 Litro) foi preparado, em triplicata, com 290 g de mel (78°Brix), 800 g de água, 100 g de polpa de pitaya vermelha e 100 g de polpa de maracujá, resultando em 22°Brix, densidade de 1.092 g/L e pH de 3,9. Adicionaram-se 1,5 g de pólen apícola e 1,7×107 células/mL de levedura Saccharomyces cerevisiae liofilizada. A fermentação ocorreu em baldes de polipropileno, a 25°C por 72 horas, sendo interrompida por meio do resfriamento do sistema (10°C), a fim de induzir a decantação das leveduras. Em seguida, a bebida foi envasada em garrafas de vidro e rolhas de cortiça, sendo mantida sob refrigeração até o momento das análises.

2.4 Análises Físico-Químicas

As análises de sólidos solúveis (°Brix) e pH foram realizadas por leitura direta em refratômetro digital de bancada (Atago, modelo Pallete PR-32-Alpha, Japão) e pHmetro digital (Tecnopon, modelo Mpa-210). A acidez total (mEq/L) foi determinada por titulação de 10 mL de hidromel em 100 mL de água com solução de hidróxido de sódio 0,1 M, utilizando fenolftaleína como indicador. Para a análise de acidez volátil (mEq/L), uma alíquota de 10 mL da amostra foi previamente destilada em um aparelho Kjeldahl (Tecnal, modelo TE 036/1) e 100 mL do destilado foram titulados com solução de hidróxido de sódio 0,1 M, utilizando fenolftaleína como indicador, conforme as metodologias descritas no Compendium of International Methods of Wine and Must Analysis (OIV, 2021). O teor alcoólico foi determinado pelo método colorimétrico com dicromato de sódio, em espectofotômetro UV-Vis (Thermo Scientific, modelo Genesys 10S, USA). Para tanto, foi construída uma curva padrão com álcool etílico (2,0 e 20,0 g/L) a 578 nm, obtendo-se equação da reta y = 0.0123x + 0.0033, R2 = 0.9923 (Sumbhate et al., 2012).

2.5 Avaliação da Atividade Antioxidante pelos métodos ABTS e FRAP

A avaliação da atividade antioxidante (AA) pelo método de redução do radical ABTS (ácido 2’-azinobis (3-etilbenzeno-tiazolina-6-sulfônico), foi executado conforme Savić et al. (2021). Para tanto, 30µL da bebida alcoólica mista e 3,0 mL do reagente (preparado 16 h antes do uso) foram pipetados em tubo de ensaio, em triplicata, e homogeneizados em vórtex. Após 6 min.de repouso em ambiente escuro, fez-se a leitura da absorbância a 734 nm, em espectrofotômetro UV-Vis (Thermo Scientific, modelo Genesys 10S, USA). Diferentes concentrações de Trolox (50 – 2000 μMol Trolox/L, equivalente a 0,12 e 4,95 µg trolox/mL da reação) foram utilizadas para construção da curva de calibração (y = −0,1143x + 0,7022 (R2 = 0,9984). Para o branco foi utilizado álcool etílico p.a. (álcool absoluto, 99,8%).

Para o método FRAP (Poder Antioxidante de Redução do Ferro), as análises foram executadas segundo Adamenko et al. (2021). Inicialmente, foram transferidos para um tubo de ensaio, uma alíquota de 150µL da bebida e 2,85 mL do reagente FRAP, em triplicata. A mistura foi homogeneizada em vórtex e aquecida em banho-maria a 37 °C por 30 min. Logo após, a amostra foi resfriada em banho com gelo e a absorbância a 593 nm foi lida em espectrofotômetro UV-Vis (Thermo Scientific, modelo Genesys 10S, USA). Diferentes concentrações de Trolox (25 – 600 μMol Trolox/L, equivalente a 0,31 – 7,50 µg trolox/mL da reação) foram utilizadas para construção da curva de calibração (y = 0,0492x + 0,0013 (R2 = 0,9975). Para o branco foi utilizada a mistura entre 150µL de solução alcoólica (5%v/v) e 2,85 mL do reagente FRAP. Todos os resultados expressos em µg equivalente de Trolox/mL da bebida.

2.6 Compostos Orgânicos Voláteis

2.6.1 Extração dos voláteis

A extração dos compostos voláteis da bebida alcoólica mista foi realizada pela técnica de extração sortiva em headspace (HSSE- Headspace Sorptive Extraction), utilizando twisters (ou barras de agitação) PDMS (10 milímetros e 0,5 mm polidimetilsiloxano), condicionados de acordo com as instruções do fabricante (Gerstel, Muelheim an der Ruhr, Alemanha), conforme a metodologia aplicada por Ruvalcaba et al. (2020), com modificações. Para a extração, 10 mL da amostra e 1,5 g de cloreto de sódio (NaCl) foram adicionados em um vial de 20 mL vedado com septo, e mantidos a 40°C, sob agitação magnética de 1500 rpm. O twister foi exposto ao headspace da solução para adsorção dos analitos por 60 min e após a extração, foi removido com pinça, enxaguado com água deionizada, seco com tecidos sem fiapos e inserido em um tubo de vidro condicionado para a Unidade de Dessorção Térmica (TDU 2; Gerstel, Alemanha).

Os compostos voláteis capturados pela técnica HSSE foram dessorvidos no sistema através de uma unidade de dessorção térmica (TDU-Thermal Desorption Unit) da marca Gerstel (Alemanha), com a seguinte programação: A temperatura da TDU foi mantida a 30°C por 0,5 min, depois aumentada com 120°C/min para 250 °C e mantida nesta temperatura por 5 min para dessorver os compostos aromáticos (termodessorção). Os analitos passaram por um sistema de injeção a frio (CIS). Após a termodsorção, o CIS foi imediatamente aquecido a 12°C/s de 40°C a 250°C e mantido por 5 min para liberar os analitos para a coluna do cromatógrafo a gás. Os twisters foram recondicionados após cada análise em um tubo condicionador (TC 2; Gerstel, Alemanha).

2.6.2 Cromatografia Gasosa-Espectrometria de Massa

As amostras foram analisadas em cromatógrafo a gás (Agilent, modelo 7890B) acoplado a um espectrômetro de massas (Agilent, modelo 5977A). A separação foi obtida em uma coluna capilar apolar HP-5MS (30 m × 0,25 mm id, espessura de filme de 0,25 μm) adquirida da empresa J&W Scientific, Agilent Technologies (USA). A temperatura do injetor foi fixada em 240°C, e hélio como gás de arraste na vazão de 1,3 mL por min no sistema de injeção splitless. As condições utilizadas no sistema do GC foram: temperatura inicial do forno 40°C, aumentando-se a uma taxa de 3°C/min até 130°C, permanecendo por 1 min, e de 15º/min até 250º (1min). As temperaturas da linha de transferência, da fonte de íons e quadrupolo foram de 260°C, 280°C e 180°C, respectivamente. A voltagem da fonte de ionização foi de 70 eV, com a faixa de scanning de massa foi de 35 a 350 u.m.a.

2.6.3 Identificação e Quantificação

Os compostos voláteis foram identificados comparando-se seus espectros de massa com os obtidos na biblioteca NIST Mass Spectral Search Program (NIST, Washington, DC), sendo também identificados, provisoriamente, comparando-se os índices de retenção experimentais com os teóricos, obtidos na literatura. O índice de retenção dos compostos foi calculado baseado no tempo de retenção de uma série de alcanos (C7-C30). Para quantificar os voláteis, as áreas integradas, com base no cromatograma de íons totais, foram divididas pelo pico do padrão interno, assumindo um fator de resposta igual a 1. As concentrações relativas dos voláteis foram determinadas por comparação com a concentração do padrão interno (1-octanol). Os resultados foram apresentados em mg/L.

2.7 Análise Estatística dos Dados

Todos os resultados foram expressos pela média ± desvio padrão, sendo calculado por meio do software Excel 365 version 2402 (Microsoft, Washington, USA).

3 Resultados e Discussões

3.1 Parâmetros Físico-Químicos

O teor alcoólico da bebida estava de acordo com o preconizado pela Instrução Normativa n° 35 de 16 de novembro de 2010, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), a qual estabelece a faixa de 0,5% a 15%(v/v) para bebidas alcoólicas mistas gaseificadas (Brasil, 2010). Embora os demais parâmetros avaliados (Tabela 1) não sejam determinados pela referida legislação, eles são importantes por representarem características químicas e sensoriais importantes nas bebidas fermentadas, como dulçor residual (Sólidos solúveis), acidez (acidez total, acidez volátil e pH).

A concentração alcoólica da bebida produzida se aproxima a de cervejas amplamente comercializadas no Brasil, o que pode representar mais uma opção de bebida fermentada para os consumidores desse nicho de mercado.

Não foram encontradas na literatura referências de produções de bebidas alcoólicas mistas comparáveis, usando os mesmos ingredientes utilizados neste trabalho (mel, pitaya, maracujá e pólen apícola). No entanto, bebidas alcoólicas produzidas a partir da fermentação do suco de pitaya durante 14 dias, apresentaram 8,3% a 8,9 % (v/v) de álcool, sólidos solúveis variando entre 8,0 e 9,0 °Brix e pH entre 4,0 e 5,0 (Liu & Jiang, 2020). Santos et al. (2021) produziram fermentado alcoólico de maracujá, a partir do suco da fruta, em diferentes estágios de maturação. Os pesquisadores obtiveram, após seis dias de fermentação, bebidas com teor alcoólico entre 6,99% e 8,12% (v/v), pH variando de 2,99 a 3,21, acidez total entre 498,35 e 527,50 meq/L e acidez volátil de 5,53 a 6,67 meq/L.

Tabela 2 Parâmetros físico-químicos da bebida alcoólica mista à base de mel, pitaya e maracujá.

ParâmetrosMédia ± desvio-padrãoIN N° 35/2010*
Teor alcoólico (% v/v)4,48 ± 0,230,5-15
Acidez total (meq/L)101,37 ± 0,51n.e.
Acidez volátil (meq/L)4,08 ± 0,29n.e.
Sólidos solúveis (°Brix)12,60 ± 0,23n.e.
pH4,07 ± 0,08n.e.

Legenda: Média ± desvio padrão (n=3); *Instrução Normativa n°35 de 16 de novembro de 2010, do MAPA.

3.2 Atividade Antioxidante

A bebida fermentada de mel, pitaya e maracujá apresentou atividade antioxidante de 123,17 ±6,66 µg trolox/mL pelo método ABTS e 614,91 ±3,65 µg trolox/mL pelo FRAP, conforme mostra a Figura 1, o que evidencia a presença de compostos antioxidantes com caráter lipofílico/hidrofóbico, além da existência de substâncias com poder para reduzir o ferro.

Figura 1– Potencial antioxidante da bebida alcóolica mista, pelos métodos ABTS e FRAP.

Legenda:Média ±desvio padrão (n=3). µg.Eq.trolox/mL= micrograma equivalente de trolox, por mililitro.

Outros estudos também relataram a presença de compostos com potencial antioxidante em bebidas fermentadas, produzidas com mel e a adição de frutas vermelhas, como cereja e amora (Adamenko et al., 2021; Savić et al., 2021).

Liu & Jiang (2020) identificaram alta capacidade de absorção de radicais livres, pelo método ORAC, em bebidas alcoólicas fermentadas a partir do suco de pitaya variando entre 10 e 12 mmol de trolox equivalente/L, representando concentrações de 2.503 a 3.004 µg de trolox equivalente/mL de bebida. Em fermentados de maracujá, produzidos com o suco da fruta madura, por Santos et al. (2021), observaram-se valores para o método FRAP variando entre 3,94 e 5,99 mmol de trolox equivalente/L, o que corresponde a uma faixa de concentração entre 999 e 1.501 µg de trolox equivalente/mL de bebida. 

3.3 Perfil de Compostos voláteis

Vinte e oito compostos voláteis foram identificados, distribuindo-se entre as classes dos álcoois superiores, ésteres, terpenos e aldeídos (Tabela 2 e Figura 2).

O grupo dos ésteres apresentou o maior número de compostos (11 voláteis, 39,3% do total), com destaque para o acetato de 3-metilbutila (18,74 ±3,65 mg/L), o qual é responsável por contribuir com aromas adocicado e frutado (Moreno et al. 2005; Pino et al., 2019). Já a classe dos álcoois superiores apresentou a maior concentração total, no somatório dos seis voláteis quantificados nesse grupo químico (Figura 2), dos quais, o álcool 2-feniletílico foi o composto com a maior concentração (26,39 ±2,72 mg/L) não só entre os álcoois, como entre todos os voláteis observados na bebida alcoólica mista de mel, pitaya e maracujá (Tabela 2).

Os álcoois superiores conferem notas aromáticas florais e frutais às bebidas alcoólicas fermentadas (Pino et al., 2019). Dentre os nove terpenos identificados, linalol e limoneno demonstraram as maiores concentrações (0,77 ±0,02 e 0,72 ±0,05 mg/L, respectivamente), sendo conhecidos por contribuir com aromas cítricos e florais (Moreno et al. 2005).

Pertencendo à classe dos aldeídos, benzaldeído e nonanal conferem notas frutadas, florais e cítricas às bebidas fermentadas, sendo perceptíveis mesmo em concentrações baixas (Moreno et al. 2005; Pino et al. 2019).

Figura 2 Bebida alcoólica mista de mel, pitaya e maracujá e seu perfil aromático.

Legenda: Média ±desvio padrão (n=3). [C] mg/L= concentração em miligramas por litro.

Tabela 3 Compostos aromáticos em bebida alcoólica mista de mel, pitaya e maracujá.

CompostoCAS1[C] (mg/L)2Descrição odorífera3
Ésteres   
Butanoato de etil 2-metila7452-79-10,10±0,004Frutado; maçã verde
Acetato de 3-metilbutila123-92-218,74±3,65Frutado; banana; doce
Pentanoato de etila539-82-20,15±0,01Frutado; maçã; abacaxi
Hexanoato de etila123-66-04,78±1,21Frutado; abacaxi; banana
Benzoato de etila93-89-00,07±0,004Frutado
Succinato de etila123-25-10,05±0,006Frutado; maçã
Octanoato de etila106-32-10,39±0,01Aroma de mel; frutado
Acetato de etila 2-fenil101-97-30,63±0,03Aroma de mel; floral; doce
Acetato de 2-feniletila103-45-71,50±0,09Aroma de mel; floral; doce
Decanoato de etila110-38-30,04±0,001Frutado; maçã; uva; doce
Dodecanoato de etila106-33-20,01±0,001Floral; doce
Terpenos   
Limoneno138-86-30,72±0,05Cítrico; herbal
Óxido de cis-Linalol5989-33-30,22±0,02Floral; amadeirado; doce
Oxido de trans-Linalol34995-77-20,09±0,001Floral
Linalol78-70-60,77±0,02Cítrico; floral; doce
Terpinene-4-ol562-74-30,09±0,01Pimenta; amadeirado
α-Terpineol98-55-50,11±0,001Cítrico; amadeirado
β-Citronelol106-22-90,09±0,002Cítrico; floral
Pulegona 89-82-70,04±0,001Herbal; cânfora
β-Damascenona23696-85-70,02±0,001Aroma de mel; floral
Álcoois superiores   
3-Metil-1-butanol123-51-33,02±0,17Frutado; banana; floral
3-Metil-1-pentanol589-35-50,13±0,02Frutado; cacau; vinho
1-Hexanol111-27-30,41±0,05Frutado; doce; alcoólico
Álcool 2-feniletílico60-12-826,39±2,72Floral; aroma de rosas
2-Undecanol1653-30-10,01±0,002Frutado; fresco
Aldeídos   
Benzenaldeído100-52-70,21±0,03Frutado; amêndoas
Nonanal124-19-60,11±0,01Casca de laranja; floral

Legenda: Média ±desvio padrão (n=3). 1CAS: Chemical Abstract Service; 2[C](mg/L): Concentração em miligramas/litro de bebida; 3Descrição odorífera: (https://www.flavornet.org/flavornet.html;  https://www.femaflavor.org/flavor-library/).

Santos et al. (2021) identificaram notas aromáticas frutadas, florais, cítricas, refrescantes e doces, ao analisar fermentados de maracujá sensorialmente, pela técnica CATA (Check-all-that-apply). Enquanto Liu & Jiang (2020) observaram a presença de compostos voláteis como 3-metilbutanol, 1-hexanol, álcool 2-feniletílico, hexanoato de etila, octanoato de etila, acetato de 3-metilbutila, acetato de 2-feniletila. Todos os compostos aromáticos relatados pelos autores, também foram observados na bebida fermentada à base de mel, pitaya e maracujá.

Não apenas as frutas, mas também o mel, o pólen apícola e a levedura utilizados na elaboração de fermentados alcoólicos podem contribuir com o bouquet aromático da bebida. Estudos relataram a presença de compostos voláteis com aromas florais, frutados, adocicados e refrescantes em méis brasileiros (Da Costa et al., 2018) e em pólen apícola (Mărgăoan et al., 2020), e a incorporação dos aromas nas bebidas produzidas com essas matérias primas (Roldán et al., 2011). A empresa Mangrove Jack’s (Auckland-North Island, Nova Zelândia) descreve a cepa Mangrove Jack’s M05 como produtora de altas concentrações de ésteres florais e frescos (https://mangrovejacks.com/collections/yeasts/products/mead-m05-yeast-10g). Esses dados destacam as características sensoriais interessantes que bebidas alcoólicas fermentadas, produzidas com ingredientes naturais, podem apresentar.

4 Considerações finais

A bebida alcóolica mista de mel, pitaya e maracujá apresentou coloração rósea atrativa, sem adição de corantes artificiais e conservantes, sendo considerada um produto clean label. Outros achados de interesse foram a potencial atividade antioxidante e os compostos aromáticos identificados. A perspectiva é expandir essa técnica de produção na elaboração de bebidas alcoólicas com mel e outras frutas, oferecendo uma alternativa promissora para o setor de alimentos e bebidas fermentadas, com foco em produtos naturais.

5 Referências

Adamenko K., Kawa-Rygielska, J., Kucharska, A.Z., Glowacki, A., Piórecki, N. (2021). Changes in the antioxidative activity and the content of phenolics and iridoids during fermentation and aging of natural fruit meads.Biomolecules, 11 (8),1113, 1-16. https://doi.org/10.3390/biom11081113

Asioli, D., Aschemann-Witzel, J., Caputo, V., Vecchio, R., Annunziata, A., Næs, T., & Varela, P. (2017). Making sense of the “clean label” trends: A review of consumer food choice behavior and discussion of industry implications. Food Research International, 99 (1), 58-71. https://doi.org/10.1016/j.foodres.2017.07.022

Azeredo, H.M.C. (2009). Betalains: properties, sources, applications, and stability – a review. International Journal of Food Science and Technology, 44, 2365–2376.  https://doi.org/10.1111/j.1365-2621.2007.01668.x

Brasil (2010). Instrução Normativa nº 35, de 16 de novembro de 2010, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Estabelece a complementação dos padrões de identidade e qualidade para as bebidas alcoólicas por mistura, comercializadas em todo o território nacional. Diário Oficial da União n°219, seção1, Brasília, DF, 17 nov. 2010.

Castellini, A. & Samoggia, A. (2018). Millennial consumers’ wine consumption and purchasing habits and attitude towards wine innovation. Wine Economics and Policy, 7 (2), 128-139. https://doi.org/10.1016/j.wep.2018.11.001

Da Costa, A.C.V., Sousa, J.M.B., Da Silva, M.A.A.P., Garruti, D.S., & Magruga, M.S. (2018). Sensory and volatile profiles of monofloral honeys produced by native stingless bees of the brazilian semiarid region. Food Research International, 105, 110-120. https://doi.org/10.1016/j.foodres.2017.10.043

Da Silva, P.S. (2023). Mel e frutas além do óbvio: Produção de hidroméis como atividade econômica no Nordeste brasileiro. In V.M.A Silva, N.C. Santos & V.H.A. Ribeiro (Orgs.), Processamento de Alimentos: Pesquisas e inovações para novos produtos (pp. 102-112). Editora Agron Food Academy. https://doi.org/10.53934/202311-10

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