CONTROLE DE QUALIDADE DE BIOINOCULANTES PRODUZIDOS ON FARM

Este capítulo faz parte da coletânea de trabalhos apresentados na VII Semana de Alimentos (Semal), publicado no livro: Avanços e Pesquisas em Ciência dos Alimentos: Novas Tendências e Aplicações. – Acesse ele aqui.

DOI: 10.53934/agronfy-2025-03-20

ISBN:

Tenille Ribeiro de Souza ; Eliza Gonçalves de Sousa ;Aline Brito Vaz ; Erasmo Ribeiro da Paz Filho ; Juliana Nascimento Silva ; Laryssa Márcia Caetano ; Lucas Facundo Silva ; Michelle Carlota Gonçalves ; Leonardo Cunha Albuquerque ; Nadson de Carvalho Pontes

*Autor correspondente (Corresponding author) –Email:tenillemicro@gmail.com;

RESUMO

Bioinsumos, como inoculantes, são insumos biológicos que promovem práticas agrícolas sustentáveis ao aumentar a produtividade e reduzir o uso de químicos. No estado de Goiás, eles beneficiam a agricultura familiar, mas a produção on farm enfrenta desafios de qualidade e regulamentação. Este estudo avaliou a pureza microbiológica de inoculantes produzidos on farm no sul de Goiás, destacando seu potencial para a sustentabilidade agrícola. O estudo avaliou 24 amostras de inoculantes on farm de agricultores, analisando a viabilidade e concentração dos microrganismos no Laboratório de Fitopatologia (LAFIP), IF Goiano – Campus Morrinhos, seguindo o Manual de Análises de Bioinsumos. Das 24 amostras avaliadas, apenas 4 estavam livres de contaminantes, enquanto 7 não apresentaram crescimento, indicando problemas de qualidade. A produção on farm enfrenta desafios como contaminação e falta de viabilidade dos microrganismos, reforçando a importância de optar por inoculantes certificados, fabricados sob rigoroso controle. Assistência técnica e melhores tecnologias de armazenamento e transporte são essenciais. Com avanços na biotecnologia, espera-se maior eficiência, segurança e acessibilidade nos inoculantes, equilibrando benefícios econômicos e ambientais com a segurança alimentar.

Palavras-chave: agricultura familiar; inoculantes; on farm

INTRODUÇÃO

O termo bioinsumo, etimologicamente, refere-se a “insumo de origem biológica”. Contudo, ainda não há um conceito amplamente aceito na literatura que abarque sua complexidade, considerando o sistema produtivo agrícola e a demanda por esses insumos (1). No Brasil, o termo é frequentemente utilizado como sinônimo de produtos biológicos, como bioinseticidas, biofertilizantes e bioinoculantes. Apesar disso, sua aplicação vai além dos sistemas agrícolas, com potencial de uso na produção animal e no processamento de produtos de origem animal e vegetal. Essa associação ao setor agrícola se dá principalmente pelos avanços no controle de pragas, doenças e pela melhoria na nutrição de plantas e fertilidade do solo (2). Entre os bioinsumos utilizados na agricultura, destacam-se os inoculantes, que desempenham um papel essencial na promoção de práticas agrícolas sustentáveis (1).

Esses produtos naturais, obtidos de microrganismos, plantas ou animais, contribuem para a proteção e o aumento da produtividade das culturas. Os inoculantes se mostram uma alternativa eficaz para elevar a produtividade, reduzir custos e preservar o meio ambiente. Compostos por microrganismos benéficos, como bactérias efungos, esses produtos auxiliam na fixação biológica de nitrogênio, solubilização de nutrientes, controle de pragas e promoção do crescimento vegetal. Sua aplicação é comum em culturas como soja, feijão, milho e pastagens, sendo indispensáveis para a sustentabilidade agrícola (2).

Além disso, os bioinsumos derivados de microrganismos e seus metabólitos possuem propriedades promotoras de crescimento e biocontrole. Suas moléculas bioativas são específicas, biodegradáveis e ecologicamente corretas, contribuindo para a preservação do ecossistema. Produtos naturais têm o potencial de complementar ou substituir agroquímicos, reduzindo a dependência de insumos sintéticos. Entretanto, desafios como a manutenção da eficácia em condições de armazenamento e campo precisam ser superados para viabilizar o sucesso comercial dessas formulações (3).

No estado de Goiás, marcado pela diversidade agrícola e predominância da agricultura familiar (5), o uso de inoculantes é uma estratégia eficaz para reduzir o uso de fertilizantes e defensivos químicos, que frequentemente elevam os custos de produção. Esses bioinsumos aumentam a produtividade, melhoram a disponibilidade de nutrientes, promovem a sustentabilidade ambiental e ampliam a resiliência das culturas frente a estresses abióticos, como seca e salinidade. Tais benefícios são especialmente valiosos para pequenos agricultores, que enfrentam limitações financeiras e dependem da viabilidade econômica de cada safra (6).

A produção on farm, uma alternativa promovida por empresas do setor, permite a produção de microrganismos diretamente na fazenda, reduzindo significativamente os custos em comparação aos produtos formulados (1). No entanto, essa prática enfrenta críticas pela ausência de regulamentação e controle de qualidade. O Decreto 10.833/2021 isenta de registro os produtos fitossanitários produzidos exclusivamente para uso próprio em sistemas de produção orgânica ou convencional. Contudo, a falta de assistência técnica adequada e de mão de obra especializada compromete a qualidade e a eficiência desses bioinsumos, expondo os produtores a riscos (7).

Um dos principais problemas associados à produção on farm é a contaminação do sistema, que pode reduzir a eficiência ou inativar completamente o organismo-alvo. Além disso, há riscos relacionados à patogenicidade dos microrganismos para humanos, animais e plantas, contrariando o rigor de controle de qualidade aplicado aos produtos biológicos formulados e registrados (8).

O presente trabalho teve como objetivo avaliar a qualidade de inoculantes produzidos on farm, em propriedades agrícolas ao sul do estado de Goiás, com foco em sua pureza microbiológica e potencial de contribuição para a sustentabilidade da agricultura familiar.

MATERIAL E MÉTODOS

AVALIAÇÃO DE INOCULANTES

O trabalho foi realizado no Instituto Federal Goiano – Câmpus Morrinhos no Laboratório de Fitopatologia (LAFIP).

Diferentes amostras de produção on farm foram avaliadas, sendo um total de 24 amostras de diferentes produtores da região sul do estado de Goiás.

A avaliação da qualidade dos inoculantes foi realizada conforme as diretrizes do Manual de Análises de Bioinsumos para uso Agrícola: Inoculantes. O processo incluiu diluições seriadas em solução salina a 0,85%, seguidas de plaqueamento em meio TSA (Triptona de Soja com Ágar) para a contagem de colônias de bactérias com exceção da bactéria Bradyrhizobium sp. onde foi utilizado o meio de Extrato de Levedura Manitol Ágar (YMA) e para fungos, onde foi utilizado o meio Batata Dextrose Ágar (BDA)(Figura 1). Esse procedimento permitiu quantificar e verificar a viabilidade e concentração dos microrganismos nos inóculos, assegurando a consistência das amostras (9).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Das vinte e quatro amostras avaliadas (Tabela 01), somente quatro estavam livres de contaminantes e sete com ausência de crescimento. Vale ressaltar que todas as amostras foram transportadas até o laboratório em caixa térmica e em sua maioria apresentaram odor desagradável.

Algumas amostras apresentaram concentração inferior a 107 (amostras 1, 9 e 11), o que pode ser considerado inferior a alguns produtos comerciais. A concentração celular é um parâmetro importante para eficiência de um insumo microbiológico, uma vez que a dose recomendada para sua utilização será baseada neste parâmetro. Baixas ou elevadas concentrações de um determinado produto podem, por exemplo, impactar negativamente a produtividade das culturas. No entanto, a concentração celular não pode ser utilizada como parâmetro único de qualidade, uma vez que não permite a discriminação entre os microrganismos de interesse e contaminantes com morfologia semelhante.

Embora possa levar a reduções de custos, a produção na fazenda, on farm, pode levar riscos para as plantações, a saúde e a cadeia de suprimentos. Uma pesquisa conduzida por Hungria et al. (10), em colaboração com a Embrapa, avaliaram amostras coletadas em fazendas dos estados de Mato Grosso e Goiás. Os resultados revelaram que mais de 90% das amostras de agentes de controle biológico produzidos localmente não continham o microrganismo desejado O mesmo foi observado para inoculantes, com casos em que nenhuma das amostras analisadas continha a bactéria esperada. Por exemplo, as amostras 1, 2, 8, 17, 18, 19 e 24 (Tabela 1) não apresentaram o microrganismo-alvo, como o Trichoderma harzianum (Figura 2).

As bactérias, especialmente do gênero Bacillus, predominam entre os inoculantes, e junto aos fungos encontram aplicação tanto em biocontrole, como em biofertilizantes. As algas estão principalmente relacionadas aos biofertilizantes, enquanto vírus e protozoários associam-se de forma predominante ao biocontrole. Os gêneros com associação mais destacada ao conjunto de documentos de biofertilizantes são Rhizobium, Azotobacter, Azospirillum, Bradyrhizobium, Glomus, Methylobacterium, Glucanocetobacter e Nitrospirillum. Já os gêneros Bacillus, Pseudomonas, Trichoderma, Streptomyces, Paenibacillus, Penicillium e Pantoea, além de estarem relacionados a biofertilizantes, também possuem um substancial associação ao biocontrole. Dentre eles, Streptomyces, Penicillium e Pantoea mostram uma relação mais expressiva com os documentos classificados como fungicida (8).

Neste trabalho, avaliamos inoculantes à base de bactérias dos gêneros Bacillus, Pseudomonas e Bradyrhizobium. Identificamos a presença de contaminantes nas amostras 1, 3, 5, 6, 9, 10, 11, 12, 15, 20, 21 e 23 (Tabela). Bocatti et al. (9) avaliou 18 amostras de produção on farm e obteve 85 isolados. Desses, apenas um foi compatível com um microrganismo de interesse, sendo identificado como Azospirillum brasilense. Entre os 84 isolados restantes, foram identificados 25 gêneros microbianos, dos quais 44% eram potenciais agentes patogênicos para humanos, incluindo Acinetobacter sp., Enterobacter sp., Enterococcus sp., Escherichia sp., Klebsiella sp., Pseudomonas sp., Staphylococcus sp. e Stenotrophomonas sp. Embora não tenhamos realizado a identificação específica dos contaminantes neste estudo, o odor desagradável das amostras analisadas era evidente.

Diante disso, há casos em que o produtor não aplica a quantidade recomendada de insumo orgânico na lavoura, e ainda acredita estar correndo um grande risco ao introduzir contaminantes que podem trazer riscos fitossanitários à saúde de quem irá manusear e consumir os produtos (10).

O principal desafio na formulação de inoculantes é preservar a natureza “viva” do ingrediente ativo. O inoculante deve ser capaz de manter as células vivas desde o processo de produção até o final do período de armazenamento, conservando suas propriedades funcionais até o momento de uso. Essa característica do agente biológico difere das formulações químicas de produtos agrícolas que mantêm sua eficácia mesmo após longos períodos de armazenamento (14). Com isso, a produção on farm pode ser um desafio para o produtor visto que na maioria das vezes ele não encontra uma condição ideal para multiplicação de microrganismos na fazenda.

Para potencializar o êxito da inoculação, a formulação de um inoculante deve associar vários aspectos, dentre eles: proporcionar um ambiente de preservação para os microrganismos (teor e qualidade da água, composição, pH), permitindo uma taxa ótima de crescimento e impedindo a redução de sua população durante o transporte, armazenamento e após introdução no solo, facilidade de uso, sustentável e de baixo custo de produção (11, 15).

CONCLUSÕES

A escolha por inoculantes de qualidade comprovada é, portanto, essencial para o sucesso da agricultura sustentável e para a segurança das cadeias de produção agrícola. A produção on farm, embora promissora para reduzir custos, apresenta desafios significativos relacionados à garantia da viabilidade e pureza dos microrganismos, além de riscos associados à introdução de contaminantes potencialmente prejudiciais.

Dessa forma, recomenda-se que os produtores optem por inoculantes certificados e fabricados sob controle rigoroso, com protocolos que garantam a presença do microrganismo alvo e sua funcionalidade no campo. Além disso, a assistência técnica especializada e o investimento em tecnologia para armazenamento e transporte podem ser diferenciais importantes para assegurar os benefícios do uso de bioinsumos na agricultura.

Com os avanços na pesquisa e desenvolvimento de biotecnologias agrícolas, espera-se que novas formulações e métodos de produção tornem os inoculantes ainda mais eficientes, seguros e acessíveis. Assim, será possível equilibrar os benefícios econômicos e ambientais proporcionados pelos bioinsumos com a segurança alimentar e a preservação da saúde humana e ambiental.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Instituto Federal Goiano campus Morrinhos, a FUNAPE e ao Centro de excelência em Bioinsumos CEBIO pelo auxílio financeiro.

REFERÊNCIAS

1. OLIVEIRA, Silvia Souza de; SANTOS, Priscila Rohem dos. Bioinsumos naagricultura: inoculantes. Disponível em: <https://www.gov.br/inpi/ptbr/assuntos/informacao/13_12_2023_RadarInoculantesfinal.pdf>Acesso em: 25 nov.2024.

2. VIDAL, M. C.; SALDANHA, R.; VERISSIMO, M. A. A. Bioinsumos: o programanacional e a sua relação com a produção sustentável. In: GINDRI, D. M.; MOREIRA,P. A. B., VERISSIMO, M. A. A. (org.). Sanidade vegetal: uma estratégia global paraeliminar a fome, reduzir a pobreza, proteger o meio ambiente e estimular odesenvolvimento econômico sustentável. 1 ed. Florianópolis: CIDASC, 2020.

3. OWEN, D., WILLIAMS, AP, GRIFFITH, GW, & WITHERS, PJ. Uso debioinoculantes comerciais para aumentar a produção agrícola por meio da aquisiçãomelhorada de fósforo. Applied Soil Ecology, v. 86, p. 41-54, 2015.

4. PATHMA, J., KENNEDY, R. K., BHUSHAN, L. S., SHANKAR, B. K., &THAKUR, K. Microbial Biofertilizers and Biopesticides: Nature’s Assets FosteringSustainable Agriculture. In: PRASAD, R.; et al. Recent Developments in MicrobialTechnologies. Springer. 2021. Disponível: https://doi.org/10.1007/978-981-15-4439-2_2. Acesso em: 20 nov. 2024.

5. SOUZA, P. M. D., FORNAZIER, A., SOUZA, H. M. D., PONCIANO, N. J.L.Diferenças regionais de tecnologia na agricultura familiar no Brasil. Revista deEconomia e Sociologia Rural, v. 57, p. 594-617, 2019.

6. XAVIER, GUSTAVO RIBEIRO; RUMJANEK, NORMA GOUVÊA; GUEDES,REJANE ESCRIVANI. Fixação biológica de nitrogênio: inoculante. EmbrapaAgrobiologia. Disponível em: <https://www.embrapa.br/agencia-de-informacaotecnologica/cultivos/feijao-caupi/producao/manejo-do-solo-e-adubacao/fixacaobiologica-de-nitrogenio/inoculante> Acesso em: 25 nov. 2024.

7. BRASIL. Decreto nº 10.833, de 7 de outubro de 2021. Altera o Decreto nº 4.074, de 4de janeiro de 2002, que regulamenta a Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989. DiárioOficial da União, Brasília, DF, 7 out. 2021.

8. SANTOS, Adailson; DINNAS, Sophia; FEITOZA, Adriane. Qualidademicrobiológica de bioprodutos comerciais multiplicados on farm no Vale do SãoFrancisco: dados preliminares. Enciclopédia Biosfera, v. 17, n. 34, 2020.

9. BOCATTI, Camila Rafaeli. Qualidade microbiológica de inoculantes deBradyrhizobium spp. e Azospirillum brasilense produzidos on farm. Dissertação(Mestrado em Microbiologia) Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2024.

10. FERREIRA, E.; NOGUEIRA, M. A.; HUNGRIA, M. Manual de análises debioinsumos para uso agrícola: inoculantes. 2024.

11. HUNGRIA, M.; CAMPO, R.J.; MENDES, I.C.; GRAHAM, P.H. Contribution ofbiological nitrogen fixation to the N nutrition of grain crops in the tropics: the successof soybean (Glycine max L. Merr.) in South America. In: SINGH, R.P.; SHANKAR,N.; JAIWAL, P.K., eds. Nitrogen nutrition and sustainable plant productivity. Houston,Texas: Studium Press, 2006.

12. DOS SANTOS, João Pedro; DE OLIVEIRA, Ana Laura Paula; PUTTI, FernandoFerrari. Bioinsumos na agricultura: panorama tecnológico das patentes biológicas.Revista de Gestão e Secretariado, v. 15, n. 9, p. e4137-e4137, 2024.

13. EMBRAPA. A Embrapa divulgou a divulgação sobre a produção de biosumos nafazenda. em: <https://www.embrapa.br/en/busca-denoticias//noticia/66275700/embrapa-divulga-recomendacoes-tecnicas-sobre-aproducao-debioinsumos-on-farm> Acesso em: 23/11/2024.

14. XAVIER I.J.; HOLLOWAY, G.; LEGGETT, M. Development of rhizobialinoculant formulations. Online Crop Manag Netw, 2004.

15. BASHAN, Y. Inoculants of plant growth-promoting bacteria for use in agriculture.Biotechnol Adv, v.16, p. 729–770, 1998.

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