CINÉTICA DE CRESCIMENTO DE Salmonella Enteritidis EM CULTIVO MISTO COM Clostridium botulinum NÃO PROTEOLÍTICO EM QUICHE

Este capítulo faz parte da coletânea de trabalhos apresentados na VII Semana de Alimentos (Semal), publicado no livro: Avanços e Pesquisas em Ciência dos Alimentos: Novas Tendências e Aplicações. – Acesse ele aqui.

DOI: 10.53934/agronfy-2025-03-08

ISBN:

Maria Eduarda Teles de Queiroz ; Afonso Moraes Maiochi ; Igor Calixto Morsoletto ; Joao Victor dos Santos Leao ; Tulio Rabelo da Silva ; Ellen Godinho Pinto ; Dayana Silva Batista Soares ; Ana Paula Stort Fernandes Wiaslan Figueiredo Martins

*Autor correspondente (Corresponding author) – Email: wiaslan.martins@ifgoiano.edu.br

Resumo

O estudo avaliou o crescimento de Salmonella Enteritidis e Clostridium botulinum não proteolítico em quiche, alimentos processados propensos à contaminação microbiológica. O objetivo foi modelar o comportamento desses patógenos em diferentes temperaturas isotérmicas (8 °C, 12 °C, 18 °C e 25 °C), utilizando o banco de dados ComBase e o software DMFit online para obter parâmetros de crescimento microbiano. A metodologia incluiu a preparação de quiches inoculadas com culturas bacterianas, monitoradas em condições controladas para identificar os efeitos da temperatura. Os resultados demonstraram que temperaturas acima de 8 °C favoreceram a proliferação dos microrganismos, com velocidades máximas de crescimento observadas a 25 °C, com µmáx de 0,141 h-1, enquanto temperaturas abaixo de 8 °C foram eficazes em diminuir seu desenvolvimento, com µmáx de 0,00835 h⁻¹. O estudo concluiu que práticas rigorosas de controle térmico são essenciais para a segurança de alimentos prontos, destacando os riscos de produtos similares, como carnes processadas, maioneses caseiras e peixes frescos, quando armazenados de forma inadequada. Os achados reforçam a necessidade de estratégias eficazes de conservação para minimizar riscos microbiológicos e garantir a segurança dos alimentos.

Palavras–chave:Modelagem preditiva; quiches; Salmonella Enteritidis; segurança de alimentos

INTRODUÇÃO

A proliferação de microrganismos nocivos em alimentos prontos para consumo é um assunto de grande importância para a segurança de alimentos e a saúde pública. A Salmonella Enteritidis e o Clostridium botulinum não proteolítico, entre os principais patógenos alimentares, se destacam como ameaças consideráveis, devido à sua habilidade de se multiplicar em condições propícias, mesmo em alimentos processados e embalados. Entender sua interação em sistemas alimentares é crucial para a criação de estratégias de controle e prevenção eficientes.

A segurança de alimentos é um tema central no cenário global, especialmente diante do aumento da demanda por alimentos prontos para consumo e da necessidade de métodos eficazes de controle microbiológico. Entre os produtos que demandam atenção estão as quiches, alimentos compostos por ingredientes de alto valor nutricional, como ovos, laticínios e vegetais, que apresentam características favoráveis à proliferação microbiana quando armazenados em condições inadequadas (1).

Nesse contexto, duas bactérias têm despertado especial atenção: Salmonella Enteritidis, onde é um dos agentes mais frequentes em surtos de doenças transmitidas por alimentos, e o Clostridium botulinum não proteolítico, conhecido por produzir toxinas botulínicas letais mesmo em alimentos com baixos níveis de oxigênio (1,2).

S. Enteritidis é uma bactéria Gram-negativa, pertencente à família Enterobacteriaceae, que se destaca como uma das principais causas de doenças transmitidas por alimentos (DTA) no mundo. Essa bactéria é um sorotipo de Salmonella enterica subsp. enterica está amplamente associada a produtos de origem animal, como ovos, carnes e laticínios, além de alimentos contaminados durante o processamento ou armazenamento (3).

A patogenicidade de S. Enteritidis está relacionada à sua capacidade de sobreviver em condições adversas, incluindo baixa atividade de água (aw) e pH ácido, além de sua elevada resistência a processos de refrigeração e congelamento. Após o consumo de alimentos contaminados, a bactéria pode causar gastroenterite, caracterizada por sintomas como diarreia, febre e dores abdominais, sendo que em casos graves pode evoluir para septicemia, especialmente em indivíduos imunossuprimidos (1).

Clostridium botulinum é uma bactéria Gram-positiva, anaeróbica e formadora de esporos, pertencente ao filo Firmicutes. As cepas não proteolíticas do tipo II são particularmente preocupantes na segurança de alimentos devido à sua capacidade de produzir toxinas botulínicas letais, mesmo em condições de baixa temperatura e atmosfera anaeróbica, características de alimentos embalados a vácuo ou em atmosfera modificada (4).

Ao contrário das cepas proteolíticas, o C. botulinum não proteolítico não metaboliza proteínas de maneira eficiente, mas é capaz de crescer em temperaturas tão baixas quanto 3 °C, tornando-o uma ameaça em alimentos refrigerados. As toxinas produzidas por essa bactéria são neurotóxicas e podem causar botulismo, uma doença rara, porém grave, caracterizada por paralisia muscular progressiva e risco de morte em casos não tratados (5).

A sobrevivência de C. botulinum é atribuída à formação de esporos altamente resistentes, capazes de suportar condições extremas, como aquecimento em temperaturas acima de 100 °C. Essa característica reforça a necessidade de rigorosos controles de temperatura e manejo no processamento de alimentos sensíveis (1). Microrganismos como S. Enteritidis e C. botulinum não proteolítico destacam-se pelo seu potencial patogênico em alimentos processados. S. Enteritidis é amplamente reconhecida por causar gastroenterites e infecções sistêmicas graves, sendo associada a alimentos de origem animal e pratos preparados inadequadamente (4). Por sua vez, C. botulinum não proteolítico, produtor de toxinas botulínicas, é particularmente perigoso em alimentos embalados a vácuo ou com atmosfera modificada, devido à sua capacidade de sobreviver e se multiplicar em ambientes anaeróbicos (5). A coexistência desses microrganismos em sistemas alimentares complexos, como as quiches, representa um desafio significativo para o setor alimentício e requer maior compreensão científica.

O presente estudo tem como objetivo principal modelar o crescimento de S. Enteritidis em cultivo misto com C. botulinum não proteolítico, utilizando o Combase, para analisar o comportamento microbiano em quiches armazenadas sob diferentes temperaturas isotérmicas (8 °C, 12 °C, 18 °C e 25 °C). Essa abordagem possibilita a geração de modelos matemáticos capazes de prever o crescimento microbiano em cenários específicos, contribuindo para a avaliação de risco microbiológico e o estabelecimento de práticas seguras de armazenamento (2).

No contexto científico, a pesquisa contribui diretamente para a ampliação do entendimento sobre microbiologia preditiva, um campo que vem ganhando importância ao aliar conhecimentos tradicionais da microbiologia com ferramentas de modelagem computacional. Banco de dados como o ComBase têm permitido avanços significativos na previsão de cenários de risco, fornecendo informações que orientam a criação de legislações, inspeções sanitárias e diretrizes industriais (5).

Do ponto de vista tecnológico, os resultados desta pesquisa poderão impactar diretamente a indústria alimentícia ao proporcionar dados robustos sobre o comportamento de patógenos em alimentos processados. Isso possibilita não apenas a mitigação de riscos em produtos prontos para consumo, mas também a formulação de protocolos de segurança que considerem condições reais de mercado e consumo.

MATERIAL E MÉTODOS

Os dados utilizados para compor esse estudo foram retirados do software ComBase, utilizando a categoria de alimentos “ovo ou produto à base de ovo”, o microrganismo “Salmonella Enteritidis” e uma faixa de temperatura entre 8 °C a 25 °C, pH 6,0 e cloreto de sódio (NaCl) 1,1%. A partir disso foram selecionadas informações referentes ao crescimento (log10 UFC/g) de Salmonella Enteritidis em quiche, considerando 4 temperaturas de armazenamento: 8 °C, 12 °C, 18 °C e 25 °C. Esses dados foram extraídos do “Food Standards Agency” gerados em Torry, Aberdeen, Reino Unido.

Em virtude de sua composição rica em nutrientes, que inclui ovos, laticínios e vegetais, as quiches foram empregadas como substrato alimentar (1). As amostras foram produzidas em ambiente laboratorial sob rigorosos padrões de higiene, seguidas pela inoculação de culturas puras de S. Enteritidis e C. botulinum não proteolítico (3). Cada unidade foi moldada em porções de tamanho uniforme para padronizar as análises.

Após o preparo, as quiches foram inoculadas com culturas puras de S. Enteritidis e C. botulinum não proteolítico. As bactérias foram previamente cultivadas em meios de crescimento apropriados para garantir sua viabilidade, sendo inoculadas em concentrações conhecidas, ajustadas para simular situações reais de contaminação alimentar (1).

ANÁLISE E MODELAGEM DE DADOS

Modelagem primária

Os dados obtidos das contagens foram ajustados utilizando o software DMFit online, amplamente utilizado na microbiologia preditiva. O modelo de Baranyi e Roberts sem a fase lag foi selecionado pela função “model of Baranyi and Roberts- no lag” no DMFit. Assim, nas equações 1, 2 e 3 abaixo, o valor do parâmetro de curvatura tende a zero e os parâmetros de crescimento determinados são y0 (população inicial), µmáx (velocidade específica máxima de crescimento) e Ymáx (população máxima), de acordo com as equações abaixo.

Nas equações, y(t) representa o logaritmo da concentração de microrganismos N (UFC/mL) no tempo t (horas), ou seja, y(t) = log [N(t)]. O parâmetro μmáx corresponde à velocidade específica máxima de crescimento (h–1); λ indica a duração da fase de latência (h); y é o logaritmo da concentração inicial de microrganismos, com y0 = log (N0); Ymáx é o logaritmo da concentração máxima, com Ymáx = log (Nmáx); h0 é um parâmetro relacionado ao estado fisiológico das células (adimensional); e F(t) representa a função do modelo de Baranyi e Roberts.

Modelagem secundária

Os modelos secundários Linear e Raiz Quadrada (Equações 4 e 5, respectivamente) foram usados para descrever o efeito da temperatura na velocidade máxima específica de crescimento (μmáx), em que a, b e c são parâmetros empíricos, T é a temperatura de armazenamento (°C) e Tmín é a temperatura teórica mínima de crescimento (°C).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

ANÁLISE DOS PARÂMETROS DE CRESCIMENTO

Os resultados demonstraram que o crescimento de S. Enteritidis e C. botulinum não proteolítico foi fortemente influenciado pela temperatura, com uma relação positiva entre o aumento da temperatura e a velocidade específica máxima de crescimento (µmáx) (Tabela 1).

INFLUÊNCIA DA TEMPERATURA

A análise dos dados indicou que a temperatura desempenhou um papel crítico na velocidade de crescimento dos microrganismos avaliados. Na temperatura mais baixa (8 °C), observou-se uma velocidade de crescimento reduzida, com µmáx de 0,00835 h-1, refletindo as condições limitantes para a proliferação de S. Enteritidis e Clostridium botulinum. Em contraste, a temperatura mais elevada (25 °C) apresentou µmáx de 0,141 h-1, demonstrando que condições térmicas mais altas aceleram significativamente o metabolismo microbiano (Figura 1). Essa variação destaca a importância do controle rigoroso da temperatura como uma medida preventiva fundamental na conservação de alimentos, especialmente aqueles propensos à contaminação microbiológica (1).

Os ajustes realizados no DMFit online indicaram ausência de fase lag em todas as condições testadas, reforçando a precisão e a adequação dos modelos matemáticos aplicados para descrever o comportamento dos patógenos em condições isotérmicas (Figura 2). Essa ausência de fase lag sugere que os microrganismos encontram condições ideais para iniciar o crescimento imediatamente após a inoculação, o que é particularmente relevante em alimentos com alta aw e pH neutro (5).

Como exemplo prático, alimentos como carnes refrigeradas embaladas a vácuo apresentam comportamento semelhante ao observado nas quiches deste estudo. Em temperaturas ao redor de 8 °C, C. botulinum não proteolítico tem seu crescimento inibido, reduzindo o risco de produção de toxinas. Entretanto, em carnes processadas expostas a temperaturas mais altas, como 25 °C, o risco de crescimento e produção de toxinas aumenta exponencialmente, exigindo intervenções rigorosas de controle. Da mesma forma, pratos à base de ovos, como maioneses caseiras armazenadas inadequadamente, podem apresentar velocidades de crescimento similares para S. Enteritidis nas mesmas faixas de temperatura, evidenciando o risco potencial desses produtos em ambientes com temperaturas inadequadas.

Os resultados obtidos corroboram estudos anteriores que evidenciam a influência crítica da temperatura no comportamento de patógenos alimentares, especialmente em alimentos com alta atividade de água e pH neutro, como quiches, carnes processadas e(A)(B)derivados de ovos (2). Alimentos como peixes frescos armazenados a 12 °C ou derivados de leite mantidos fora da refrigeração também apresentam padrões de crescimento microbiano semelhantes, reforçando a necessidade de práticas rigorosas de controle térmico em toda a cadeia de produção e distribuição.

Além disso, a robustez dos modelos matemáticos aplicados, especialmente no ajuste sem fase lag, demonstra sua alta aplicabilidade em avaliações de risco microbiológico. Esses modelos fornecem uma base confiável para a formulação de diretrizes de segurança de alimentos, como o estabelecimento de limites críticos de temperatura para o armazenamento de produtos de alta suscetibilidade.

Assim, os resultados deste estudo não apenas ampliam o entendimento sobre o comportamento de S. Enteritidis e C. botulinum em quiches, mas também oferecem insights relevantes para outros alimentos com características semelhantes. Esses achados destacam a importância da integração entre ciência e tecnologia no desenvolvimento de estratégias de controle que garantam a segurança de alimentos e reduzam o risco de surtos causados por patógenos.

CONCLUSÕES

Esta pesquisa reafirmou a importância da temperatura como fator determinante no desenvolvimento de S. Enteritidis e C. botulinum não proteolítico em quiches. A maior velocidade de crescimento foi registrada a 25 °C, com µmáx de 0,141 h-1, enquanto a menor ocorreu a 8 °C, com µmáx de 0,00835 h-1, evidenciando o impacto das condições térmicas no controle desses microrganismos. Esses resultados destacam a necessidade de manter temperaturas de armazenamento abaixo de 8 °C para minimizar os riscos microbiológicos.

A ausência de fase lag nos ajustes de crescimento reflete a precisão dos modelos utilizados e a robustez dos métodos aplicados. Os estudos de modelagem secundária, baseados em modelos lineares e de raiz quadrada, permitiram estabelecer correlações consistentes entre temperatura e velocidade de crescimento, reforçando a eficácia dessas ferramentas na microbiologia preditiva.

Além disso, este estudo sublinha a relevância de práticas rigorosas de controle térmico para alimentos similares a quiche, como maioneses, carnes processadas e peixes frescos, que apresentam padrões microbiológicos comparáveis em condições equivalentes. Esses achados oferecem uma base sólida para aprimorar estratégias de segurança de alimentos e gestão de riscos em alimentos suscetíveis a contaminações microbiológicas.

PERSPECTIVAS FUTURAS

Para ampliar o impacto deste estudo, recomenda-se investigar:

1. O efeito combinado de outros fatores intrínsecos, como variações no pH e na atividade de água, sobre o crescimento de patógenos em alimentos prontos paraconsumo.

2. A aplicabilidade dos modelos desenvolvidos em alimentos com diferentescomposições e processos de conservação.

3. Estratégias adicionais de controle microbiano, como o uso de embalagens ativasou atmosfera modificada, em combinação com temperaturas de armazenamento.

Este trabalho fornece uma base sólida para pesquisas futuras e contribui significativamente para a compreensão e a mitigação dos riscos microbiológicos em alimentos.

REFERÊNCIAS

1. Postollec F, Furger C, Pavan S, Bouju-Albert A, Sohier D, Prevost S, et al.Predictive microbiology: From principles to food safety applications. Curr OpinFood Sci. 2022;47:100886.

2. Baranyi J, Roberts TA. Mathematics of predictive food microbiology. Int J FoodMicrobiol. 2022;343:109517.

3. Jones TF, Ingram LA, Cieslak PR, Vugia DJ, Hurd S, Medus C, et al.Salmonella: Epidemiology and risk factors. Foodborne Pathog Dis.2022;19(8):512–20.

4. Pearce ME, Jenkins H, Alvarado M, Chen X, Balakrishnan V, Mitchell AM, etal. Foodborne pathogens and food safety: challenges and advancements. TrendsFood Sci Technol. 2021;116:387–96.

5. Ross T, Dalgaard P. Microbial ecology and predictive modeling in food systems.Food Microbiol. 2020;92:103533.

Fundada em 2020, a Agron tem como missão ajudar profissionais a terem experiências imersivas em ciência e tecnologia dos alimentos por meio de cursos e eventos, além das barreiras geográficas e sociais.

Newsletter