EFEITO DO REVESTIMENTO COMESTÍVEL À BASE DE FÉCULA DE MANDIOCA NAS PROPRIEDADES FÍSICOQUÍMICAS DE DOVYALIS (Dovyalis abyssinica) DURANTE O ARMAZENAMENTO
Este capítulo faz parte da coletânea de trabalhos apresentados na VII Semana de Alimentos (Semal), publicado no livro: Avanços e Pesquisas em Ciência dos Alimentos: Novas Tendências e Aplicações. – Acesse ele aqui.
DOI: 10.53934/agronfy-2025-03-04
ISBN:
Liliam da Silva Lima Oliveira ; Ellen Godinho Pinto ; Dayana Silva Batista Soares ; Ana Paula Stort Fernandes ; Wiaslan Figueiredo Martins
*Autor correspondente (Corresponding author) – Email: wiaslan.martins@ifgoiano.edu.br
Resumo
O presente estudo avaliou o efeito de um revestimento comestível à base de fécula de mandioca nas propriedades físico-químicas de frutos de Dovyalis abyssinica durante o armazenamento em temperatura ambiente (25 ± 2 °C). A fécula (3%) foi combinada com gelatina incolor (2%) para formar uma solução, que foi aplicada nos frutos por imersão. Os parâmetros analisados foram acidez titulável, pH, sólidos solúveis (°Brix) e vitamina C, monitorados em diferentes intervalos (dias 0, 2, 4 e 6). Os frutos revestidos apresentaram maior estabilidade ao longo do período de armazenamento. A acidez titulável dos frutos revestidos foi mantida próxima ao valor inicial, enquanto as amostras sem revestimento reduziram. O teor de sólidos solúveis foi preservado nos frutos revestidos, em contraste com quedas mais acentuadas nas amostras controle. Da mesma forma, a retenção de vitamina C foi maior nos frutos com revestimento, destacando o efeito protetor contra a oxidação. Os resultados evidenciam que o revestimento comestível retardou a perda de qualidade físico-química, destacando-se como uma tecnologia sustentável e de baixo custo para conservação de frutos exóticos. Essa abordagem oferece potencial para a extensão da vida útil de produtos hortifrutícolas, sendo relevante para a indústria e pequenos produtores. Estudos futuros poderão explorar diferentes formulações e condições de armazenamento para aprimorar a eficácia do revestimento.
Palavras–chave: Dovyalis abyssinica; fruta exótica; pós-colheita; revestimento comestível
INTRODUÇÃO
O gênero Dovyalis, pertencente à família Flacourtiaceae, é composto por diversas espécies como Dovyalis caffra, Dovyalis abyssinica e Dovyalis hebecarpa. A Dovyalis abyssinica, popularmente conhecida como mukambura, groselha-do-ceilão ou abricó-da-flórida, é originária da África e destaca-se pelos frutos esféricos, suculentos e de elevada acidez, características que os tornam atrativos para a produção de doces, geleias e sucos (1,2). Além disso, a coloração variada da casca, que vai do laranja ao vermelho-arroxeado, juntamente com a textura macia e a presença de uma fina camada de pelos, reforça o apelo sensorial dessa fruta exótica. No Brasil, a propagação da dovyalis teve início com a introdução de uma variedade pela UNESP, e sua aptidão para o processamento industrial tem sido amplamente investigada (3).
A Dovyalis abyssinica apresenta alto rendimento em polpa e sementes facilmente removíveis, características que facilitam sua aplicação industrial. Estudos apontam que clones como a variedade ‘Romana’ possuem menor acidez, favorecendo seu consumo in natura, além de manterem características desejáveis como elevado índice de maturação e sólidos solúveis, que garantem a aceitação sensorial e a versatilidade do fruto no mercado (4,5).
Paralelamente, a busca por soluções sustentáveis no processamento e conservação de frutas tem incentivado a utilização de revestimentos comestíveis biodegradáveis, como os elaborados a partir de fécula de mandioca (Manihot esculenta). Esse biopolímero oferece propriedades físicas e químicas favoráveis, como formação de barreiras contra a perda de água e proteção contra microrganismos, prolongando a vida útil e mantendo a qualidade dos produtos hortifrutícolas (6,7).
Diante do exposto, objetivou-se, com o presente trabalho, avaliar o efeito do revestimento comestível à base de fécula de mandioca nas propriedades físico-químicas da dovyalis (Dovyalis abyssinica) durante o armazenamento em temperatura ambiente, destacando seu potencial como tecnologia sustentável para conservação de frutas exóticas.
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi realizado com frutos de Dovyalis abyssinica cultivados e colhidos na fase de maturação comercial no período de maio de 2024, na cidade de Morrinhos, Goiás, e transportados para o laboratório de análises físico-química do Instituto Federal Goiano – Campus Morrinhos. Os frutos foram selecionados quanto à uniformidade de tamanho, coloração e ausência de defeitos aparentes. Após a colheita, os frutos foram higienizados com solução de hipoclorito de sódio a 200 ppm por 15 minutos e enxaguados em água destilada.
REVESTIMENTO COMESTÍVEL
O revestimento à base de fécula de mandioca foi preparado seguindo o protocolo de Henrique e Cereda (8), com algumas adaptações. Para a formulação, utilizou-se uma solução contendo 3% de fécula de mandioca e 2% de gelatina incolor (Dr. Oetker®), ambas solubilizadas em 2 litros de água destilada. A mistura foi aquecida a 70 °C até atingir o ponto de geleificação. Posteriormente, os frutos foram completamente imersos na solução e colocados para secar inicialmente sobre grades de plástico, permitindo o escoamento do excesso de líquido, e em seguida, sobre placas de Petri esterilizadas. Um grupo de frutos sem revestimento foi utilizado como controle. Após o processo de aplicação, todos os frutos foram armazenados à temperatura ambiente (25 ± 2 °C) e submetidos a análises nos dias 0, 2, 4 e 6. A Figura 1 ilustra os frutos de dovyalis em estado in natura, imersos em cobertura à base de fécula de mandioca, dispostos sobre grades de plástico e armazenados à temperatura ambiente em placas de Petri.

PARÂMETROS FÍSICO-QUÍMICOS
As análises foram realizadas em triplicata no Laboratório de Físico-química, do Instituto Federal Goiano – Campus Morrinhos, conforme a metodologia do Instituto Adolfo Lutz (9). Os seguintes parâmetros foram avaliados ao longo do armazenamento: acidez titulável, pH, teor de sólidos solúveis e teor de vitamina C.A acidez titulável foi determinada por titulação com solução de hidróxido de sódio (NaOH) 0,1 N, utilizando fenolftaleína como indicador. A titulação foi conduzida até o aparecimento de coloração levemente rosada, persistente por cerca de 30 segundos. Os resultados foram expressos em gramas de ácido cítrico por 100 g de polpa, utilizando a Equação 1.

Em que, V = volume de NaOH gasto na titulação (mL), N = normalidade do NaOH, F = fator de conversão do ácido cítrico (64,04), P = massa da amostra (g).
O pH foi determinado diretamente no suco utilizando um potenciômetro digital previamente calibrado com soluções tampão de pH 4,0 e 7,0. A medida foi realizada imergindo o eletrodo no suco à temperatura ambiente. Já o teor de sólidos solúveis foi avaliado utilizando um refratômetro portátil calibrado com água destilada e o resultado foi registrado em graus Brix (°Brix).
A vitamina C foi quantificada pelo método de titulação com solução de iodo, baseando-se na reação do ácido ascórbico com o iodo em presença de amido como indicador. A quantidade de vitamina C foi expressa em mg por 100 g de polpa, utilizando a Equação 2.

Em que, V = volume de iodato gasto na titulação (mL), F = 3,522 ou 0,3522, respectivamente para KIO3 0,02 M ou 0,002 M e P = peso (g) ou volume (mL) da amostra.
ANÁLISE ESTATÍSTICA
A análise estatística dos resultados foi conduzida por meio de estatística descritiva, expressa como média ± desvio padrão. Para a comparação entre as médias, utilizou-se o teste de Tukey (p ≤ 0,05) em análises envolvendo quatro médias, e o teste t de Student (p ≤ 0,05) para comparações entre duas médias. As análises foram realizadas no software ASSISTAT versão 7.7.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Tabela 1 apresenta os valores médios (± DP) dos parâmetros físico-químicos (acidez titulável, pH, teor de sólidos solúveis e vitamina C) das amostras de Dovyalis abyssinica com e sem revestimento comestível à base de fécula de mandioca, avaliados ao longo de 0, 2, 4 e 6 dias de armazenamento.

A acidez titulável inicial foi de 1,44 g de ácido cítrico/100 g, apresentando uma redução gradual ao longo do armazenamento, especialmente nas amostras sem revestimento, que atingiram 1,03 g de ácido cítrico/100 g no quarto dia. Nas amostras revestidas, observou-se uma diminuição nos valores de acidez titulável até o quarto dia; entretanto, no último dia de armazenamento (sexto dia), a acidez permaneceu em 1,39 g de ácido cítrico/100 g, sem diferenças significativas em relação aos valores registrados nos dias zero e dois. De acordo com Chitarra e Chitarra (10), a redução da acidez é um processo comum durante o amadurecimento dos frutos, decorrente do metabolismo respiratório que continua ativo após a colheita. Nesse processo, diversos substratos, incluindo os ácidos orgânicos presentes nos vacúolos das células, são utilizados no ciclo de Krebs para a geração de energia. Além disso, Siqueira (11) sugere que um possível aumento posterior na acidez pode ser atribuído à degradação da parede celular provocada pelo metabolismo, o que leva ao aumento do número de ácidos orgânicos no fruto.
Estudos anteriores destacaram valores mais elevados para outras variedades de dovyalis, como os 5,5% de ácido cítrico para frutos de D. abyssinica reportados por Silva et al. (4) e os 2,9 a 3,6 mg de ácido málico/100 g para híbridos (D. abyssinica e D. hebecarpa) analisados por Cavalcante e Martins (3). A menor acidez observada no presente trabalho pode ser atribuída às diferenças no manejo e condições ambientais, reforçando sua viabilidade para o consumo fresco.
O pH inicial de 3,46 aumentou significativamente para 4,60 nas amostras revestidas ao final de 6 dias e 4,66 nas amostras sem revestimento ao final de 4 dias de armazenamento. Esse aumento está relacionado ao mesmo fato citado anteriormente por Chitarra e Chitarra (10) com relação à diminuição da acidez. Valores inferiores de pH foram relatados por Silva et al. (4), que observaram médias de 3,02 para Dovyalis ‘Romana’ e 2,61 para D. abyssinica.
O teor de sólidos solúveis (°Brix) inicial foi de 12,00 °Brix, com reduções mais acentuadas nas amostras sem revestimento (8,00 °Brix no quarto dia). Frutos revestidos mantiveram valores mais elevados (9,77 °Brix no sexto dia), demonstrando a eficácia do revestimento em preservar açúcares durante o armazenamento. Esses valores são similares aos encontrados por Silva et al. (4) para frutos dovyalis (12 °Brix), mas inferiores aos reportados por Cavalcante e Martins (3), que identificaram entre 14,0 e 14,9 °Brix para híbridos, possivelmente devido a variações genéticas e ambientais.
Os teores iniciais de vitamina C nas amostras analisadas foram de 35,65 mg/100 g. No entanto, observou-se uma queda expressiva nas amostras sem revestimento, que atingiram 20,66 mg/100 g no quarto dia de armazenamento. Já nas amostras revestidas, ocorreu uma recuperação parcial do teor de vitamina C, alcançando 26,37 mg/100 g no sexto dia.
Conforme Zheng et al. (12), a degradação e o acúmulo de vitamina C durante o amadurecimento pós-colheita são processos geneticamente regulados, com níveis de expressão diferenciados em genes relacionados à síntese, metabolismo, degradação e regeneração do ácido ascórbico, variando entre espécies de frutas. Esses processos estão associados a fatores de transcrição, interações entre proteínas, hormônios vegetais e condições ambientais. Assim, a recuperação parcial observada no sexto dia para as amostras revestidas pode ser explicada por duas hipóteses complementares.
A primeira hipótese, proposta por Gil et al. (13), sugere que, em frutas como limão (Citrus aurantifolia), maracujá-amarelo (Passiflora edulis) e laranja doce (Citrus sinensis), há uma redução significativa de ácido ascórbico acompanhada por um aumento dos níveis de vitamina C durante o armazenamento. Isso ocorre devido à maior atividade da enzima ascorbato oxidase, que promove a conversão de ácido ascórbico em ácido deidroascórbico (DHA), contribuindo para o aumento do conteúdo total de vitamina C como resultado do aumento de DHA.
A segunda hipótese é fundamentada nos estudos de Abeysuriya et al. (14), que apontam que as vias sintéticas do ácido ascórbico podem ser ativadas durante o armazenamento como resultado do amadurecimento pós-colheita. Nesse processo, a conversão de reservas de amido em açúcares e a liberação de polissacarídeos da parede celular, devido à sua desmontagem, fornecem glicose adicional para a biossíntese de ácido ascórbico. Dessa forma, as células vivas das frutas mantêm a capacidade de sintetizar tanto glicose quanto ácido ascórbico durante o período de armazenamento.
Essas hipóteses ilustram os complexos mecanismos metabólicos e fisiológicos envolvidos na manutenção e variação dos teores de vitamina C em frutas armazenadas, especialmente na presença de revestimentos comestíveis que podem moderar esses processos.
CONCLUSÕES
Os resultados reforçam a eficácia do revestimento comestível à base de fécula de mandioca na preservação da qualidade físico-química de frutos de Dovyalis abyssinica durante o armazenamento. A aplicação do revestimento retardou a degradação da acidez, dos sólidos solúveis e da vitamina C, além de estabilizar o pH. Essas características tornam o revestimento uma solução sustentável e de baixo custo para a extensão da vida útil de frutos exóticos, sendo uma alternativa viável para complementar estratégias de cultivo e manejo de variedades. Estudos adicionais são recomendados para explorar combinações de revestimentos com diferentes aditivos e condições de armazenamento, visando maximizar os benefícios para a conservação de frutos.
REFERÊNCIAS
1. Joker D, Omondi W. Agroforestry Database. Nairobi: World Agroforestry Centre;2000.
2. Mendes-Ferrão J. Fruticultura tropical. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian;1999.
3. Cavalcante IH, Martins ABG. Physical and chemical characterization of dovyalisfruits. Int J Fruit Sci. 2005;5(4):39-46.
4. Silva JA, Grizotto RK, Miguel FB, Bárbaro IM. Caracterização físico-química defrutos de clones de doviális (Dovyalis abyssinica Warb). Rev Bras Frutic. 2011;Volume Especial, 466-72.
5. Donadio LC, Moro FV, Servidone AA. Frutas brasileiras. Jaboticabal: NovosTalentos, 2002: 288.
6. Carvalho A. Revestimentos comestíveis para frutas: fécula de mandioca comobarreira natural. Alimentos Nutr. 2010;21(1):97-103.
7. Assis MM, Bitro AF. Embalagens biodegradáveis à base de amido para conservaçãode frutas tropicais. Sci Agric. 2014;71(5):424-30.
8. Henrique CM, Cereda MP. Uso de ethephon e fécula de mandioca na conservaçãopós-colheita de limão siciliano. Revista de Biologia e Ciências da Terra. 2007;(7):99-106.
9. Instituto Adolfo Lutz. Normas Analíticas do Instituto Adolfo Lutz. Métodosquímicos e físicos para análise de alimentos. 4. Ed. São Paulo-SP; 2008.
10. Chitarra MIF, Chitarra AB. Pós-colheita de frutas e hortaliças: fisiologia emanuseio. Lavras: UFLA; 2005. 785 p.
11. Siqueira APO. Uso de coberturas comestíveis na conservação pós-colheita degoiaba e maracujá-azedo [Dissertação de mestrado]. Campos dos Goytacazes:Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro; 2012. 80 p.
12. Zheng X, Gong M, Zhang Q, Tan H, Li L, Tang Y, et al. Metabolism andregulation of ascorbic acid in fruits. Plants. 2022;11(12):1602.doi:10.3390/plants11121602.
13. Gil MI, Aguayo E, Kader AA. Quality changes and nutrient retention in fresh-cutversus whole fruits during storage. J Agric Food Chem. 2006;54(12):4284-96.doi:10.1021/jf060303y.
14. Abeysuriya HI, Bulugahapitiya VP, Jayatissa LP. Variation of vitamin C contentand antioxidant capacities during the post-harvest storage of fresh fruits under differenttemperatures. J Stored Prod Res. 2024;109:102426. doi:10.1016/j.jspr.2024.102426.