MODELAGEM DO CRESCIMENTO DE BACTÉRIAS AERÓBIAS EMCARNE FRESCA UTILIZANDO O COMBASE
Este capítulo faz parte da coletânea de trabalhos apresentados na VII Semana de Alimentos (Semal), publicado no livro: Avanços e Pesquisas em Ciência dos Alimentos: Novas Tendências e Aplicações. – Acesse ele aqui.
DOI: 10.53934/agronfy-2025-03-42
ISBN:
César Rodrigues Duarte ; Beatriz Aparecida da Silva ; Vitória Emilly Souza Rodrigues ; Mellyssa Eduarda Silva Dias ; Ellen Godinho Pinto ; Dayana Silva Batista Soares ; Ana Paula Stort Fernandes Wiaslan Figueiredo Martins
*Autor correspondente (Corresponding author) – Email: wiaslan.martins@ifgoiano.edu.br
RESUMO
O presente trabalho foi modelar o crescimento de bactérias aeróbias deteriorantes em carne bovina fresca armazenada em temperaturas de 0,7 °C, 3,6 °C, 7 °C e 9,6 °C, utilizando o software ComBase. Os dados foram obtidos a partir do banco de dados ComBase e ajustados pelo modelo primário de Baranyi e Roberts, estabelecendo modelagens primária e secundária. Os resultados mostraram que o modelo apresentou excelente desempenho na descrição do crescimento bacteriano nas condições avaliadas, com valores de R² próximos de 1 e Erros Padrão do ajuste próximos de zero. O estudo demonstrou que alterações nas temperaturas de armazenamento influenciam diretamente o crescimento microbiano, reforçando a importância de manter condições adequadas de refrigeração para controlar a deterioração e garantir a segurança alimentar. Dessa forma, o uso de ferramentas de microbiologia preditiva, como o software ComBase, mostrou-se essencial para a indústria de alimentos, permitindo prever a vida útil da carne fresca e otimizar estratégias de conservação e distribuição, reduzindo os riscos de contaminação e perdas durante a cadeia produtiva.
Palavras-chave: bactérias aeróbicas; carne fresca; microrganismo
INTRODUÇÃO
De acordo com Almeida et al. (1) uma das fontes essenciais de proteína animal consumidas pela população brasileira é a carne bovina. Sendo um dos principais produtos alimentícios relacionados a surtos de Doenças transmitidas por alimentos (DTAs) no mundo (2). Considerando que as DTAs representam um desafio para a saúde pública, é fundamental que as empresas envolvidas na cadeia produtiva da carne adotem medidas preventivas rigorosas para reduzir a contaminação e o crescimento bacteriano (3). Os fabricantes de alimentos implementaram diversos estágios na cadeia de produção da carne bovina com o objetivo de monitorar e controlar a higiene, já que a proliferação de bactérias pode levar à deterioração da carne e apresentar riscos à segurança de alimentos (4).
A carne bovina, com seu pH quase neutro e alta atividade de água, oferece um ambiente favorável para o crescimento bacteriano, o que pode resultar em problemas de qualidade. É essencial que a carne receba um tratamento de conservação logo após o abate do animal (5), a refrigeração é uma das técnicas mais comuns e eficazes para preservar a carne, pois retarda o crescimento de microrganismos e diminui as reações enzimáticas e químicas que podem comprometer o alimento. Esse processo de resfriamento atua diretamente na redução da atividade bacteriana, uma vez que as temperaturas mais baixas dificultam a multiplicação de microrganismos, como as bactérias patogênicas e as que causam a deterioração da carne (6). Além de limitar a ação de enzimas que aceleram o envelhecimento da carne, a refrigeração também preserva suas características sensoriais,como sabor, textura e cor, o que torna o produto mais atraente e seguro para o consumo. Com o uso da refrigeração, torna-se possível transportar e armazenar carnes por períodos mais longos sem comprometer a segurança alimentar. Dessa forma, essa técnica não apenas facilita a logística de distribuição de produtos perecíveis, mas também garante que o alimento chegue ao consumidor com a qualidade adequada, minimizando o risco de doenças transmitidas por alimentos (7).
Entretanto, o crescimento microbiano na carne está frequentemente relacionado ao fato de que, durante o processo de abate e manipulação nos frigoríficos, podem ocorrer pequenas contaminações que se acumulam ao longo do fluxo de produção. Essas contaminações podem ser atribuídas a diferentes fatores, como manuseio inadequado, falhas nas condições de higiene ou até mesmo ao ambiente do próprio frigorífico, que favorece a proliferação de microrganismos. Segundo Picchi (5), esse processo de contaminação é gradual e pode se intensificar à medida que a carne passa por diversas etapas de processamento.
As bactérias mais comuns associadas à deterioração são as Enterobacteriaceae, Pseudomonas spp., as bactérias ácido-lácticas (BAL) e Brochothrix thermosphacta, sendo que cada microrganismo tem suas condições ideais para crescimento e as condições de armazenamento influenciam a intensidade com que esses microrganismos causam danos ao alimento (8).
Os microrganismos podem ser classificados de acordo com a temperatura ótima para seu crescimento. Os microrganismos termófilos têm sua temperatura ideal de multiplicação em torno de 60 °C, já os psicrófilos preferem temperaturas mais baixas, com uma faixa ideal de cerca de 10 °C (9). Por outro lado, os mesófilos se desenvolvem melhor em temperaturas intermediárias, entre 20 °C e 40 °C. Além disso, há os psicrotróficos, que são capazes de crescer em temperaturas de refrigeração, abaixo de 7 °C (10,11). Por isso, a temperatura é um fator extrínseco fundamental que afeta diretamente a velocidade de crescimento dos microrganismos.
Para analisar e prever o comportamento dos microrganismos em diferentes condições, a microbiologia preditiva se destaca como uma ferramenta valiosa, permitindo a modelagem e o estudo dos parâmetros que influenciam o crescimento microbiano (12). A microbiologia preditiva baseia-se na análise das diferentes fases do crescimento dos microrganismos, que incluem: a fase lag, onde os microrganismos se adaptam ao novo ambiente; a fase exponencial, caracterizada pelo rápido crescimento das células, especialmente as mais jovens; e a fase estacionária, em que o número de células viáveis e não viáveis permanece constante (13). Ela integra conceitos da microbiologia de alimentos, matemática, estatística e informática para investigar a dinâmica do crescimento microbiano. Com isso, para Schlei et al. (13), a criação de softwares que utilizam modelos matemáticos desempenha um papel fundamental na indústria de alimentos, pois, além de oferecerem informações sobre os processos microbiológicos, eles ajudam a prever a vida útil dos produtos e permitem simular a influência de diferentes variáveis.
Portanto, objetivou-se modelar o crescimento de bactérias aeróbias em carne fresca armazenada em diferentes condições isotérmicas, utilizando o Combase.
MATERIAL E MÉTODOS
As informações sobre o crescimento em diferentes temperaturas foram coletadas no banco de dados ComBase (www.combase.cc), selecionando o alimento da categoria “Beef” e o microrganismo “Aerobic total spoilage bacteria”. Foram escolhidos dados sobre o crescimento (log10 UFC/g) de bactérias aeróbias em carne fresca, considerando quatrodiferentes temperaturas de armazenamento: 0,7 °C, 3,6 °C, 7 °C e 9,6 °C, mantendo o pH de 5,5 e a mesma atividade de água 0,993.
Os dados foram extraídos do estudo de Zomer (14) intitulado “Exploratory investigation into the experimental design of shelflife tests with fresh meat as a model system (in Dutch)”, publicado no periódico “TNO report”. Os autores, nesta pesquisa, avaliaram o processo de desenvolvimento de bactérias aeróbias deteriorantes em carne fresca bovina (CB) ou suína (CS) embaladas em filme plástico de polietileno com alta permeabilidade ao oxigênio. Para uma análise mais biológica da presença de microrganismos e os impactos que eles causam nos alimentos armazenados, foi utilizado o modelo matemático primário. Esse modelo examina a dinâmica do microrganismo ao longo do tempo e utiliza a função sigmoidal de ajuste, proposta por Baranyi e Roberts (15), representado pelas equações 1, 2 e 3, que foram aplicadas para realizar o ajuste às curvas experimentais do crescimento de bactérias aeróbias deteriorantes em carne fresca a diferentes temperaturas.

Nas equações, y(t) representa o logaritmo da concentração microbiana N (UFC/g) em um dado tempo t (horas), ou seja, y(t) = log [N(t)]. O parâmetro μmáx corresponde à velocidade específica máxima de crescimento (h⁻¹); λ indica a duração da fase de latência (h); y0 é o logaritmo da concentração microbiana inicial, ou seja, y0 = log (N0); Ymáx referese ao logaritmo da população máxima, Ymáx = log (Nmáx); h0 é um parâmetro relacionado ao estado fisiológico das células (adimensional); e F(t) é a função associada ao modelo de Baranyi e Roberts.
O modelo secundário linear (Equação 4) e exponencial (Equação 5) foram utilizado para descrever o efeito da temperatura na velocidade específica máxima de (μmáx), em que a e b são parâmetros empíricos e T representa a temperatura de armazenamento (°C).

O ajuste do modelo primário aos dados experimentais de crescimento de bactérias aeróbias em carne fresca foi realizado nas temperaturas de armazenamento de 0,7 °C, 3,6 °C, 7 °C e 9,6 °C, utilizando a ferramenta DMFit disponível na plataforma ComBase. O processo de ajuste foi feito em uma única etapa, com a obtenção dos parâmetros μmáx, λ, y0 e Ym áx. Para verificar a adequação do modelo primário, foram calculados o Coeficiente de Determinação (R2) e o Erro Padrão (EP) do ajuste, fornecidos pelo DMFit.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As curvas de crescimento de bactérias aeróbias deteriorantes em carne fresca foram reproduzidas a partir da pesquisa no banco de dados ComBase, com o objetivo de verificar a facilidade desse banco de dados em fornecer informações importantes ao analisar o crescimento bacteriano em alimentos, em diferentes cenários de armazenamento, neste caso, nas temperaturas de 0,7 °C, 3,1 °C, 7 °C e 9,6 °C.
O modelo de Baranyi e Roberts foi ajustado aos dados de crescimento utilizando o software DMFit do Combase. A Figura 1 representa o crescimento de bactérias aeróbias em carne fresca ao longo do tempo, representado em escala logarítmica. Os dados refletem o comportamento típico das populações bacterianas em alimentos perecíveis, destacando as fases de latência, crescimento exponencial e fase estacionária desde a primeira temperatura de cerca 0,0033 h-1 para 0,00485 para temperaturas de 0,7 °C a 9,6 °C, respectivamente, onde o crescimento é proporcional a temperatura. Nessa fase, as bactérias estão adaptando seu metabolismo às condições do substrato, ajustando processos bioquímicos como a síntese de enzimas específicas para metabolizar os nutrientes da carne fresca. Esse comportamento é influenciado por fatores como temperatura, disponibilidade de oxigênio, pH, e presença de compostos antimicrobianos naturais na carne, como lactoferrina e enzimas endógenas.
Na fase exponencial analisa-se que o aumento da temperatura é diretamente proporcional a velocidade do crescimento bacteriano, como pode-se observar: O metabolismo aeróbio é predominante, resultando em maior produção de energia e rápida multiplicação celular. No contexto de carne fresca, isso também é um período crítico para a deterioração, com a geração de metabólitos como ácidos orgânicos, compostos sulfurados e aminas biogênicas, que impactam negativamente a qualidade sensorial e a segurança do alimento (1,2,4,14).
A partir de aproximadamente 300 horas, ocorre a transição para a fase estacionária, na qual o crescimento bacteriano se estabiliza. Essa fase reflete o esgotamento de nutrientes essenciais e o acúmulo de produtos metabólicos tóxicos, que inibem a divisão celular. Além disso, a competição entre as bactérias por recursos limitados contribui para a estabilização da população (1,3,15).
De acordo com Silva (16), a microbiologia preditiva é essencial para interpretar e extrapolar os resultados obtidos. Através da modelagem matemática aplicada aos dados experimentais, é possível prever o comportamento de populações bacterianas sob diferentes condições ambientais, como temperatura, atmosfera de armazenamento e níveis de umidade.
Os resultados deste estudo mostram que as condições experimentais que retardaram o início da fase exponencial (aumentando λ) e reduziram a μmax foram as mais eficazes na contenção do crescimento de bactérias aeróbias.
A aplicação da microbiologia preditiva permite também prever a vida útil da carne fresca sob diferentes condições de armazenamento, oferecendo informações cruciais para a cadeia de produção e comercialização. Esses resultados reforçam a importância do monitoramento microbiológico e do uso de modelos preditivos como ferramentas indispensáveis para garantir a qualidade e a segurança dos alimentos.


CONCLUSÕES
O modelo primário de Baranyi e Roberts demonstrou desempenho satisfatório ao descrever o crescimento de bactérias aeróbias em carne fresca sob diferentes temperaturas de armazenamento, evidenciando sua adequação para prever o comportamento microbiano em condições reais. Adicionalmente, o modelo secundário linear apresentou alta concordância ao caracterizar o impacto da temperatura na velocidade de crescimento desses microrganismos, reforçando sua aplicabilidade prática. Esses resultados destacam a utilidade de ferramentas baseadas em microbiologia preditiva, como softwares de modelagem, para a indústria de alimentos, fornecendo suporte técnico valioso no monitoramento da vida útil e na garantia da qualidade e segurança microbiológica de carnes e produtos cárneos. Estudos futuros podem explorar a integração desses modelos com dados em tempo real, ampliando ainda mais sua eficácia em cenários industriais.
REFERÊNCIAS
1. Mintel. A indústria de snacks pode aproveitar interesse do consumidor brasileiropor carne [Internet]. 2018 [acesso em 2020 Jun 15]. Disponível em:https://brasil.mintel.com/blog/noticias-mercado-alimentos-bebidas/a-industria-desnacks-pode-aproveitar-interesse-do-consumidor-brasileiro-por-carne(A)(B)
2. Almeida BS, Monteiro WA, Bezerra FYP. Perfil microbiológico da carne moídacomercializada no município de Juazeiro do Norte, Ceará. Revista Interfaces:Saúde, Humanas e Tecnologia. 2015;3(1).
3. Welker CAD, Both JMC, Longaray SM, Soeiro MLT, Ramos RC. Análisesmicrobiológicas dos alimentos envolvidos em surtos de doenças transmitidas poralimentos (DTA) ocorridos no estado do Rio Grande do Sul, Brasil. RevistaBrasileira de Biociência. 2010;8(1):44-8.
4. Vidal-Martins AMC, Burger KP, Aguilar CEG, Gonçalves ACS, Grisólio APR,Rossi GAM. Implantação e avaliação do programa de boas práticas de manipulaçãoem açougues do município de São José do Rio Preto-SP. Revista Brasileira deHigiene e Sanidade Animal. 2014;8(2):73-86.
5. Ercolini D, Russo F, Nasi A, Ferranti P, Villani F. Mesophilic and psychrotrophicbacteria from meat and their spoiling potential in vitro and in beef.
6. Picchi V. História, ciência e tecnologia da carne bovina. Jundiaí: Paco Editorial;2015. 452 p.
7. Chesca AC, Peixoto CP, Costa DG, Nascimento HN, Pinto IRA, Guimarães JLP, etal. Levantamento das temperaturas de armazenamento de carnes em açougues esupermercados de Uberaba, MG. Revista Higiene Alimentar. 2001;15(81):51-5.
8. Souza MC, Teixeira LQ, Rocha CT, Ferreira GAM, Lima Filho T. Emprego do friona conservação de alimentos. Enciclopédia Biosfera. 2013;9(16):1027-46.
9. Ercolini D, Ferrocino I, Nasi A, Ndagijimana M, Vernocchi P, La Storia A, et al.Monitoring of microbial metabolites and bacterial diversity in beef stored underdifferent packaging systems. Applied and Environmental Microbiology.2011;77:7372-81.
10. Mintel. A indústria de snacks pode aproveitar interesse do consumidor brasileiropor carne [Internet]. 2018 [acesso em 2024 nov 23]. Disponível em:https://brasil.mintel.com/blog/noticias-mercado-alimentos-bebidas/a-industria-desnacks-pode-aproveitar-interesse-do-consumidor-brasileiro-por-carne