PERFIL FÍSICO-QUÍMICO DE VACAS LEITEIRAS DA REGIÃO SULDO ESTADO DE GOIÁS

Este capítulo faz parte da coletânea de trabalhos apresentados na VII Semana de Alimentos (Semal), publicado no livro: Avanços e Pesquisas em Ciência dos Alimentos: Novas Tendências e Aplicações. – Acesse ele aqui.

DOI: 10.53934/agronfy-2025-03-41

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Isadora Rocha Ribeiro ; Maria Fernanda Alves Mendonça ; Guilherme Henrique Salgado ; Ana Paula Stort Fernandes *; Dayana Silva Batista Soares ; Ellen Godinho Pinto ; Wiaslan Figueiredo Martins

*Autor correspondente (Corresponding author) – Email: Email: ana.stort@ifgoiano.edu.br;

RESUMO

O Brasil tem na agropecuária leiteira uma das suas principais atividades econômicas, sendo considerado o quinto maior produtor mundial de leite. O Estado de Goiás está na sexta posição em relação à captação de leite nacional. É necessário o monitoramento da qualidade físico-química do leite bem como o desenvolvimento de Boas Práticas Agropecuários dos produtores rurais a fim de cumprir a legislação vigente e melhoria constante da qualidade do leite cru. Objetivou-se avaliar a composição físicoquímica do leite cru de vinte e duas vacas de uma propriedade rural localizada na Região Sul do Estado de Goiás. Verificou-se resultados inferiores aos exigidos pela legislação, principalmente em relação aos teores de gordura, proteína total, sólidos totais e CCS. Tal fato, além de não atender às exigências da legislação impacta diretamente na produção de derivados lácteos, pois proporciona menor rendimento na transformação do leite em produtos. Esses resultados sugerem que novos experimentos precisam ser conduzidos, principalmente em relação à busca por melhorias da qualidade físico-química desse leite.

Palavras-chave: legislação; manejo de ordenha; qualidade do leite

INTRODUÇÃO

De acordo com a Instrução Normativa nº 76 de 26 de novembro de 2018 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) entende-se por leite sem outra especificação, um produto oriundo da ordenha completa de uma vaca sadia e ininterrupta em condições de higiene e com boa qualidade de alimentação (1). Esse documento norteia as diretrizes quanto à identidade e parâmetros de qualidade do leite cru refrigerado a fim de aumentar a produtividade e qualidade dessa matéria-prima produzida no Brasil.

Assim sendo, é necessário o monitoramento da sanidade das glândulas mamárias dos animais bem como o desenvolvimento de Boas Práticas Agropecuários dos produtores rurais a fim de cumprir a legislação vigente e melhoria constante da qualidade do leite cru.

Segundo a Food and Agriculture Organization of the United Nations (2), a produção de leite é uma ferramenta importante para a economia e para o desenvolvimento dos países. Além disso, é imprescindível ao desenvolvimento social, pois em todo o mundo, cerca de 150 milhões de famílias trabalham na produção de leite. Essa produção é caracterizada, em sua maioria, por pequenos produtores que vivem em países em desenvolvimento, sendo esta a principal atividade para a subsistência.

O Brasil tem na agropecuária leiteira uma das suas principais atividades econômicas, sendo considerado o quinto maior produtor mundial de leite (2).

Sua produção leiteira foi estimada em 35,30 bilhões de litros em 2021 (3), e se distribui por quase todo o país. As regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul com maior destaque, principalmente Minas Gerais, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O Estado de Goiás está na sexta posição em relação à captação de leite nacional.

A qualidade do leite cru refrigerado produzido nas propriedades produtoras de leite e beneficiado nas indústrias de laticínios precisa ser avaliado periodicamente. Essa avaliação precisa ser realizada em laboratórios credenciados pela Rede Brasileira de Qualidade do Leite (RBQL) (4). Os parâmetros utilizados incluem análises da composição do leite, como a Contagem de Células Somáticas (CCS) e as análises físico-químicas. Os parâmetros a serem analisados e seus limites são determinados pela Instrução Normativa (IN) n° 76/2018 (3) e pela IN n° 77/2018 (4).

Os padrões mínimos estabelecidos para o recebimento industrial do leite com relação à composição química são: 3,0% de gordura, 2,9% de proteína e 8,4% de sólidos não gordurosos (SNG). O número máximo da contagem de células somáticas (CCS) 500.000 células/mL. Com relação à caracterização física, o leite deve apresentar acidez titulável de 14 a 18 °D e deve ser estável em solução alcoólica com no mínimo 72 °GL de etanol (5).

O leite deve apresentar composição físico-química, microbiológica, sensorial e número de células somáticas, que atendam aos parâmetros exigidos pela legislação (6). Sua composição varia de acordo com fatores como raça, idade, saúde da glândula mamária, estágio de lactação, manejo nutricional e estações do ano (7).

Neste trabalho, objetivou-se avaliar a composição físico-química do leite cru de vinte e duas vacas holandesas e girolando recém ordenhadas de uma propriedade rural localizada na Região Sul do Estado de Goiás.

MATERIAL E MÉTODOS

A pesquisa foi desenvolvida no município de Morrinhos – GO, cidade situada na Região Sul Goiana. De acordo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2022), sua população estimada é de, aproximadamente, 51.351 habitantes (2).

As amostras de leite foram coletadas em um único dia do mês de julho de 2024, em uma propriedade rural da região. Participaram do experimento vinte e duas vacas de raças Holandesas e Girolando, que tiveram amostras recolhidas na primeira ordenha do dia.

As alíquotas foram distribuídas em frascos Falcon de 40 mL contendo conservante celular Bronopol®, homogeneizadas e alocadas em caixas isotérmicas contendo gelo. Para análise da composição química do leite foram verificados os teores de gordura, proteína, caseína, lactose, sólidos totais (ST), sólidos não gordurosos (SNG) e contagem de células somáticas (CCS), por métodos de infravermelho utilizando o equipamento Milkoscan 4000 Ò (Foss Electric A/S. Hillerod, Denmark).

Todas as amostras foram enviadas para o Laboratório de Qualidade do Leite (LQL) do Centro de Pesquisa em Alimentos (CPA) da Escola de Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de Goiás (UFG), credenciado pela Rede Brasileira de Qualidade do Leite, onde os ensaios foram realizados em duplicata.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os principais parâmetros utilizados pela maioria dos programas de qualidade do leite, estão fundamentados nos teores de gordura, proteína, lactose e contagem de células somáticas (CCS), entre outros fatores, o que destaca a necessidade de determinação destes parâmetros para avaliação da matéria-prima e correções nos procedimentos, quando necessário.

De acordo com a Instrução Normativa Nº 76 de 2018 (MAPA), o leite cru refrigerado deve atender aos parâmetros físico-químicos descritos na Tabela 1.

Após a avaliação dos resultados das análises físico-químicas, na Tabela 2 verificase os dados referentes aos valores médios dos teores de gordura, proteína, lactose, sólidos totais (ST), sólidos não gordurosos (SNG), contagem de células somáticas (CCS) e caseína das vinte e duas vacas leiteiras. Os resultados foram comparados com os padrões estabelecidos pela IN 76/2018, visto que essas análises permitem a detecção de não conformidades no leite.

Com relação aos parâmetros físico-químicos, a legislação vigente preconiza, dentre outros padrões, os valores mínimos de gordura é de 3,0 g/100 g de leite. De acordo com a Tabela 2, foi possível verificar que apenas dois animais tiveram os resultados para esse parâmetro dentro das especificações.

De acordo com Fagan et al. (8), a gordura é o componente do leite que possui maior variabilidade. Sua composição varia tanto pela influência genética quanto por fatores nutricionais e ambientais. A gordura do leite possui 95 a 98% de triglicerídeos e apenas 1 a 2% de fosfolipídios. Tal variância depende, também, do animal, sua dieta e do estágio de lactação (9).

Ela é o principal componente energético do leite e um dos principais responsáveis pelo sabor do produto. Altos valores de gordura no leite indicam maior rendimento de derivados elaborados pelas indústrias, como manteiga, queijos, requeijões, sorvetes e cremes.

Essa diminuição na sua concentração pode ser influenciada por alguns fatores como nutrição, manejo, genética e ambiente. Sendo a nutrição como um dos principais fatores, qualquer alteração na dieta animal acarreta alterações no seu ambiente ruminal, principalmente no pH, que reflete diretamente sobre a gordura do leite.

De acordo com Harding (10), por ter menor densidade em relação à proteína e à lactose, a gordura do leite apresenta variações percentuais ao longo da ordenha, aumentando no final desta. Associado a isso, pode-se interpretar que, possivelmente, os níveis de gordura tenham sido menores pois o leite foi coletado nos momentos iniciais da ordenha.

Os níveis de proteína no leite também sofrem influência das estações, estágios de lactação, raças, estado de saúde e frações do leite e são proporcionais à quantidade de gordura, ou seja, quanto maior a porcentagem de gordura maior será a porcentagem de proteína (11). De acordo com a Tabela 2, observa-se que quinze animais tiveram resultados dentro das especificações preconizada pela legislação, ou seja, teores proteicos acima de 2,9 g/100g de leite.

Segundo Dos Santos (12), a composição das proteínas no leite pode estar afetada pelos estágios da lactação, sendo menores nos três primeiros meses e aumentando progressivamente à medida que a lactação avança. A concentração de proteínas do leite pode diminuir quanto maior for o número de lactações da vaca, provavelmente pela menor eficiência das células alveolares nos animais mais velhos.

A lactose é o principal glicídio do leite, é um dissacarídeo composto pelos monossacarídeos D-glicose e D-galactose, o conteúdo de lactose é o componente que menos tem variação (13). O nível de lactose segundo a legislação brasileira (1), pode estarrelacionado ao controle da pressão osmótica na glândula mamária, de modo que maior produção de lactose determina maior produção de leite (14).

A gordura do leite diminui quando a produção de leite aumenta, o mesmo comportamento ocorre com a lactose, embora a lactose seja um nutriente menos afetado pelas oscilações do volume do leite (15).Analisando a Tabela 2, observa-se que apenas quatro animais apresentaram valores de lactose inferiores aos estabelecidos pela legislação.

Em relação aos sólidos totais, das amostras analisadas, dezessete apresentaram resultados inferiores aos exigidos pela legislação, o que é prejudicial às indústrias de laticínios, pois proporciona menor rendimento na transformação do leite em produtos lácteos.

A caseína do leite sofre expressiva redução quando a CCS aumenta, devido à ação de proteases leucocitárias e sanguíneas, o que pode ser observado na Tabela 2. Por outro lado, ao mesmo tempo ocorre aumento das proteínas plasmáticas no leite em decorrência da resposta inflamatória. Dessa forma, a percentagem de proteína total no leite com elevada CCS reduz apenas 1%, em relação à concentração encontrada no leite de vacas sem mastite (16).

Atender aos parâmetros físico-químicos do leite cru previstos pela legislação brasileira é importante e precisa ser considerado para avaliar a qualidade do leite cru na indústria.

A contagem celular somática (CCS) tem sido considerada, medida padrão de qualidade, pois está relacionada com a composição, rendimento industrial e segurança alimentar do leite. Para os produtores, possui alta relevância, porque indica o estado sanitário das glândulas mamárias das vacas, podendo sinalizar para perdas significativas de produção e alterações da qualidade do leite (16, 17).

Comparando com a legislação, das amostras analisadas, apenas cinco apresentaram resultados superiores de CCS. Isso representa um bom indicativo de glândulas mamárias saudáveis do restante do rebanho.

A CCS é utilizada para controle em diversos países produtores de leite (18). É necessário avaliar a composição química do leite, a qualidade microbiológica e o isolamento de bactérias relacionadas à mastite, que causam perdas econômicas significativas na indústria de laticínios em todo o mundo.

Entretanto, a infecção da glândula mamária constitui um dos fatores que desempenham maior influência negativa perante a qualidade do leite, resultando no aumento da CCS, constituídas por células de defesa, e descamação do epitélio glandular (19).

CONCLUSÕES

De acordo com a legislação brasileira, as boas práticas agropecuárias se caracterizam por um conjunto de atividades, procedimentos e ações adotadas napropriedade rural com a finalidade de obter leite de qualidade e seguro ao consumidor e que englobam desde a organização da propriedade, suas instalações e equipamentos, bem como formação e capacitação dos responsáveis pelas tarefas cotidianas realizadas.

Os resultados deste estudo sugerem que novos experimentos precisam ser conduzidos, principalmente em relação à busca por melhorias da qualidade físico-química desse leite e sobre a importante relação entre contagem de células somáticas e sanidade do rebanho.

Tais medidas contribuirão para um melhor aproveitamento desse leite para produção de derivados lácteos visando agregação de valor e aumento de renda desses pequenos produtores rurais.

AGRADECIMENTOS

Ao Instituto Federal Goiano – Campus Morrinhos, por todo apoio durante a realização da pesquisa.

REFERÊNCIAS

1. Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA. InstruçãoNormativa nº 76, de 26 de novembro de 2018. Art. 2º Para os fins desteRegulamento, leite cru refrigerado é o leite produzido em propriedades rurais,refrigerado e destinado aos estabelecimentos de leite e derivados sob serviço deinspeção oficial. Diário Oficial da União, Brasília, 26 nov 2018.

2. FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations. LivestockPrimary Data. Disponível em: http://www.fao.org/faostat/en/#data. Acesso em:22 nov 2024.

3. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo agropecuário de2023. Goiás, 2023. Disponível em:https://cidades.ibge.gov.br/brasil/go/pesquisa/24/76693. Acesso em: 22 nov2024.

4. Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA. InstruçãoNormativa nº 77, de 26 de novembro de 2018. Oficializa os critérios e procedimentos para produção, acondicionamento, conservação, transporte,seleção e recepção do leite cru em estabelecimentos registrados no serviço deinspeção oficial, na forma desta Instrução Normativa e do seu Anexo. DiárioOficial da União, Brasília, 26 nov 2018.

5. Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA.Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal. Instrução Normativanº 62, de 29 de dezembro de 2011. Aprova o regulamento técnico de produção,identidade e qualidade do leite tipo A, o regulamento técnico de identidade equalidade de leite cru refrigerado, leite pasteurizado e o regulamento técnico dacoleta de leite cru refrigerado e seu transporte a granel. Diário Oficial da União,Brasília, 30 dez 2011.

6. Zanela MB, Fischer V, Ribeiro MER. Unstable non-acid milk and milkcomposition of Jersey cows on feed restriction. Pesq Agrop Bras. 2006; 41:835-840.

7. Dobranić V, Njari B, Samardžija M, Mioković B, Resanović R. The influenceof the season on the chemical composition and the somatic cell count of bulktank cow’s milk. Veterinarski Archive. 2008; 78:235-242.

8. Fagan EP, Mores R, Santos L, et al. Fatores ambientais e de manejo sobre acomposição química do leite em granjas leiteiras do Estado do Paraná, Brasil.Acta Scientiarum. Animal Sciences. 2010;32(3):309-316.

9. Sousa AS. Leite: Importância, Síntese e Manipulação da Composição.Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação Profissionalizante emZootecnia, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2015. 35 f.

10. Harding F. Compositional quality: milk quality. Glasgow: Blackie AcademicProfessional; 1995. 165 p.

11. Maity S, Bhat AH, Giri K, Ambatipudi K. BoMiProt: A database of bovine milkproteins. J Proteomics. 2020;103648.

12. Dos Santos CG, Dallago GM, Dumont MA, de Figueiredo LV, Duarte MR,Boari CA, Castro GH, dos Santos RA. Composition and microbiological qualityof raw milk refrigerated in community tanks. Res Soc Dev. 2021;10(11).

13. González FHD. Composição bioquímica do leite e hormônios da lactação. In:González FHD, editor. Uso do leite para monitorar a nutrição e o metabolismode vacas leiteiras. Porto Alegre: Ed. UFRGS; 2001.

14. Peres JR. O leite como ferramenta do monitoramento nutricional. In: GonzálezFHD, Dürr JW, Fontanele R, editors. Uso do leite para monitorar a nutrição e ometabolismo de vacas leiteiras. Porto Alegre: Biblioteca Setorial da FVUFRGS;2001. p. 2.

15. Santos MV, Fonseca LFL. Estratégias para controle de mastite e melhoria daqualidade do leite. Barueri, SP: Manole; 2007. 314 p.

16. Harmon RJ. Physiology of mastitis and factors affecting somatic cell counts. JDairy Sci. 1994;77(7):2103-2112.

17. Santos MV. Contagem de células somáticas e qualidade do leite e derivados. In:Simpósio Internacional sobre Produção Intensiva de Leite, 5., 2001, BeloHorizonte. Anais… São Paulo: Instituto Fernando Costa; 2001. p. 115-127.

18. Costa HN, et al. Estimativa das perdas de produção leiteira em vacas mestiçasHolandês x Zebu com mastite subclínica baseada em duas metodologias deanálise. Arq Bras Med Vet Zootec. 2017; 69:579-586.

19. Andrade UVC, Hartmann W, Masson ML. Isolamento microbiológico,contagem de células somáticas e contagem bacteriana total de amostras de leite.ARS Veterinária. 2009;25(3):129-135.

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