BACTÉRIAS PATOGÊNICAS DE IMPORTÂNCIA EM ALIMENTOS
Este capítulo faz parte da coletânea de trabalhos apresentados na VII Semana de Alimentos (Semal), publicado no livro: Avanços e Pesquisas em Ciência dos Alimentos: Novas Tendências e Aplicações. – Acesse ele aqui.
DOI: 10.53934/agronfy-2025-03-27
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Monique Suela Silva1*, Bruna Resende Bauduino2, Michelle Carlota Gonçalves2, Anderson Henrique Venâncio2, Mônica Aparecida Silva2, Jéssica Raquel Sales Carvalho de Souza2, Roberta Hilsdorf Piccoli
*Autor correspondente (Corresponding author) –Email: monique.silva3@ufla.br;
RESUMO
Bactérias patogênicas em alimentos são uma das principais causas de doenças transmitidas por alimentos, representando risco significativo à saúde humana. Essas bactérias podem se proliferar devido às práticas inadequadas de manipulação, armazenamento ou higiene. Dessa forma, identificar e controlar a incidência desses microrganismos é essencial para garantir a segurança de alimentos. Objetivou-se nesse estudo relatar possíveis riscos à saúde pública associados ao consumo de alimentos contendo seis principais patógenos alimentares, bem como traçar práticas de prevenção. Para isso, realizou-se levantamento bibliográfico na base de dados Scopus, tendo como palavras-chaves o nome científico de cada bactéria. Os seis principais patógenos bacterianos veiculados por alimentos abordados nesta revisão foram Salmonella, Listeria monocytogenes, Escherichia coli, Bacillus cereus, Staphylococcus aureus e Clostridium botulinum. Aspectos da biologia, patogenicidade e impacto na saúde pública são detalhados, assim como fatores de virulência e fontes comuns de contaminação alimentar. Nesse contexto, fatores como biofilmes, resistência antimicrobiana e toxinas são críticos para a persistência e disseminação dessas bactérias. Logo, destaca-se a necessidade de boas práticas de higiene, controle rigoroso no processamento de alimentos e avanços no diagnóstico molecular para mitigação de surtos, bem como o papel da conscientização e fiscalização na proteção da saúde pública.
Palavras-chave: Contaminação; doenças transmitidas por alimentos; patógeno alimentar; segurança de alimentos; surto
INTRODUÇÃO
Doenças transmitidas por alimentos (DTAs) representam um grave problema de saúde pública em todo o mundo, causando milhões de casos de doenças e milhares de mortes a cada ano, gerando um significativo impacto socioeconômico. As DTAs surgem da ingestão de alimentos contaminados por agentes patogênicos como bactérias, vírus, parasitas ou toxinas, sendo as bactérias os agentes mais comuns. A contaminação pode ocorrer em qualquer etapa da cadeia alimentar, desde a produção até o consumo (1).
Dessa forma é fundamental a adoção de práticas de higiene e segurança de alimentos em toda a cadeia produtiva, englobando um conjunto de práticas e procedimentos que visem minimizar ou eliminar os riscos de contaminação dos alimentos, desde a produção até o consumo. A adoção de hábitos de higiene adequados, tanto dos colaboradores, quanto sanitização de utensílios e superfícies, até o controle da temperatura dos alimentos e o armazenamento adequado, a escolha de fornecedores confiáveis e o preparo correto dos alimentos são medidas essenciais para garantir a qualidade e a segurança de alimentos (2).
Dentre as bactérias patogênicas veiculadas por alimentos, destacam-se Escherichia coli, Staphylococcus aureus, Salmonella sp., Clostrium botulinum, Listeria monocytogens e Bacillus cereus, comumente associadas à contaminação alimentar e, devido a sua agressividade e patogenicidade, serão abordadas.
Escherichia coli, uma bactéria habitante do trato gastrointestinal de humanos e animais de sangue quente, apresenta cepas produtoras de toxinas podendo causar diarreia, cólicas abdominais, vômitos e, em casos mais graves, insuficiência renal e até a morte. A contaminação ocorre, geralmente, por consumo de carne bovina mal cozida, leite não pasteurizado e verduras mal lavadas (3). Algum cepas podem apresentar fatores de virulência como adesinas, sistemas de secreção de proteínas e cápsulas (1) ou carregar plasmídeos contendo genes de virulência (4).
Staphylococcus aureus é uma bactéria comum na pele e nas mucosas de indivíduos saudáveis, quando presente nos alimentos pode produzir toxinas que induzem ao vômito e diarreia. Geralmente, está associada a alimentos mantidos em temperatura ambiente por tempo prolongado. São bactérias halotolerantes, capazes de crescer em baixa atividade de água e além da produção de toxinas, também possui outros fatores de patogenicidade como capacidade de coagular o fibrinogênio (5).
Salmonella pode contaminar uma variedade de alimentos, como aves, ovos, leite e produtos derivados, frutas e verduras. Além do mais é encontrada no trato gastrointestinal de humanos e animais de sangue quente (6). Apresenta vários mecanismos de patogenicidade como produção de toxinas, formação de biofilmes, liberação de antígenos capsulares, além da capacidade de se multiplicar na presença de sais de cura (7). Esses fatores tornam a Salmonella de suma importância para a indústria de alimentos.
Clostridium botulinum produz uma toxina potente que causa o botulismo, uma doença grave que pode levar à paralisia muscular e à morte, sendo sua contaminação, geralmente associada ao consumo de alimentos enlatados ou conservados de forma inadequada. Sua agressividade se dá pela síntese de toxinas e formação de endósporos altamente resistentes ao calor (8).
Quanto a Listeria monocytogenes, essa bactéria também pode contaminar uma variedade de alimentos, incluindo carnes processadas, queijos, leite não pasteurizado e vegetais prontos para o consumo. Causa infecções graves em indivíduos imunocomprometidos, recém-nascidos, idosos e aborto em gestantes. Coloniza diversas superfícies em instalações de processamento, tolera uma ampla faixa de pH e temperatura, além de apresentar habilidade de sobreviver e se multiplicar dentro das células hospedeiras, fundamental para sua patogenicidade (1,6). Dessa forma, compreender os aspectos fisiológicos e epidemiológicos desse microrganismo é essencial para seu controle (9).
O Bacillus cereus é outro patógeno de importância na indústria alimentícia, especialmente em alimentos ricos em amido, como arroz cozido. A ingestão de alimento contendo essa bactéria pode causar intoxicação alimentar devido à produção de toxinas que induzem vômito ou diarreia. Assim como clostrídio, a formação de esporos altamenteresistentes ao calor e a diversos agentes químicos dificulta sua eliminação durante o processamento de alimentos (10).
Dessa forma, a detecção precoce da presença dessas bactérias patogênicas em alimentos é fundamental para evitar a ocorrência de surtos. Existem diversos métodos de detecção de bactérias em alimentos, como métodos culturais, bioquímicos, imunológicos e moleculares. Sendo que a legislação e as normas de segurança de alimentos de cada região estabelecem os padrões de qualidade e os limites máximos permitidos de contaminantes para cada alimento, garantindo assim a proteção da saúde dos consumidores. A prevenção das DTAs requer adoção de hábitos simples de higiene como lavar bem as mãos com água e sabão antes de preparar os alimentos; higienizar alimentos, especialmente frutas e verduras; cozinhar bem alimentos como carnes e ovos; respeitar a temperatura recomendada de armazenamento de cada alimento; evitar a contaminação cruzada entre alimentos crus e cozidos, entre outros (11). Ao longo dos anos, diversos surtos de DTAs foram registrados no Brasil e no mundo, causando grande impacto na saúde pública. A análise desses casos permite identificar as principais causas dos surtos e desenvolver estratégias para prevenir a ocorrência de novos eventos (12). Portanto, objetivou-se apresentar uma visão geral sobre seis patógenos bacterianos veiculados por alimentos, relatar possíveis riscos à saúde pública associados ao consumo de alimentos contendo tais bactérias, bem como traçar estratégias de prevenção e salientar a importância de assumir boas práticas de fabricação para segurança de alimentos e controle das DTAs.
MATERIAIS E MÉTODOS
Foi realizado um levantamento bibliográfico na base de dados Scopus, tendo como palavras-chaves o nome científico dos seis principais patógenos bacterianos veiculados por alimentos abordados nesta revisão: Salmonella sp., Listeria monocytogenes, Escherichia coli, Bacillus cereus, Staphylococcus aureus e Clostridium botulinum.
PRINCIPAIS BACTÉRIAS VEICULADAS POR ALIMENTOS
Salmonella sp.
Salmonella é uma bactéria patogênica da família Enterobacteriaceae, aeróbica facultativa, encontrada no trato gastrointestinal de humanos e animais de sangue quente. É um bastonete Gram-negativo, não esporogênico, com flagelos, realiza anaerobiose facultativa, é catalase positiva e oxidase negativa. Multiplica-se entre 7 °C e 49,5 °C, com pH ideal entre 4 e 9. Sais de cura, como nitrito e nitrato de sódio, presentes em embutidos cárneos, podem favorecer sua multiplicação (1,6).
Dessa forma, dentro do gênero estão incluídas espécies capazes de causar infecções em humanos. A Salmonella é a responsável pela salmonelose, uma zoonose que, geralmente, ocorre devido à contaminação dos alimentos (1). Estima-se que 66% das doenças não tifóides por Salmonella (SNT) adquiridas internamente são atribuídas à transmissão alimentar (13).
A Salmonella enterica é frequentemente associada a infecções em seres humanos, apresenta seis subespécies, sorotipos. Sabe-se que a Salmonella é responsável por 95,5 milhões de casos de doenças transmitidas por alimentos, resultando em 257.000 óbitos. Até o momento, foram catalogados mais de 2600 sorotipos diferentes, dentre esses, mais dametade pertence à Salmonella enterica subsp. enterica, sendo este subtipo responsável pela maioria das infecções por Salmonella em seres humanos (14). Dentre os sorotipos de Salmonella, destacam-se a Salmonella enterica sorovar Typhi, cuja transmissão ocorre por alimentos ou água contaminados; a Salmonella enterica sorovar Enteritidis, relacionada ao consumo de ovos e derivados pasteurizados ou não; e a Salmonella enterica sorovar Typhimurium, transmitida por água contaminada ou contato com fezes de animais como galinhas, suínos, cães, gatos e outros que servem de reservatórios (1,6).
A Salmonella enterica sorovar Typhi (S. Typhi) possui a capacidade de se fixar e formar biofilmes, esse aspecto desempenha um papel fundamental em sua patogenicidade, contribuindo para a persistência da bactéria no corpo humano e a resistência à antibióticos. Os biofilmes são compostos por bactérias aderidas a uma matriz de polissacarídeos extracelulares, com notável resistência às condições inóspitas (7). Ressalta-se que fímbrias e pili, desempenham um papel fundamental na formação desses biofilmes (15). Uma vez estabelecido, o biofilme proporciona uma camada protetora, tornando as células mais resistentes a agressões ambientais e dificultando sua eliminação, inclusive em face de fatores estressores como sanitizantes, antibióticos, ácido láctico, sais de cura e óleos essenciais (7,16).
A Salmonella bongori representa outra espécie dentro desse gênero bacteriano, embora seja menos frequente em infecções humanas, essa variante pode desencadear gastroenterite (17). No geral, a Salmonella é responsável por diversas enfermidades, incluindo gastroenterites causadas por S. Enteritidis e S. Typhimurium, febre tifoide originada pela S. Typhi e febres entéricas provenientes de S. Paratyphi, além de causar doença sistêmica invasiva como S. Cholerasuis (1,7). Alimentos como leite e seus derivados, ovos e derivados, tanto pasteurizados quanto não pasteurizados, sobremesas, molhos de saladas, condimentos, misturas utilizadas em panificação (massas de bolos), mariscos e produtos cárneos processados ou maturados provenientes de peixes, suínos, bovinos, aves e outras espécies de animais, representam notáveis veículos de transmissão quando estão contaminados com Salmonella (6,18).
A Salmonella apresenta diversos antígenos desempenhando papéis essenciais na resposta imunológica. Destacam-se os antígenos somáticos (O), localizados na parede celular externa e componentes do lipopolissacarídeo (LPS), essenciais para a classificação sorológica das cepas bacterianas (5). A variação nos antígenos O é empregada na distinção entre os diferentes sorotipos de Salmonella. Já os antígenos flagelares (H), associados aos flagelos que conferem mobilidade à bactéria, são utilizados na diferenciação de cepas dentro de um mesmo sorotipo, sendo a mobilidade um fator de virulência importante, associado a processos como a invasão de células hospedeiras (1,6,18).
Determinadas cepas de Salmonella apresentam uma cápsula polissacarídica que lhes conferem resistência à fagocitose. Os antígenos capsulares, conhecidos como antígenos K, desempenham um papel essencial na patogenicidade da bactéria, pois a presença da cápsula auxilia a Salmonella a evitar o sistema imunológico do hospedeiro. Adicionalmente, certas cepas de S. enterica, como a S. Typhi possui um antígeno de parede celular chamado antígeno Vi. Esse antígeno, associado à cápsula bacteriana, é específico da S. Typhi e serve como um dos marcadores distintivos que diferenciam essa cepa de outras. A combinação única desses antígenos determina a sorologia específica de cada cepa de Salmonella, permitindo a classificação precisa e a identificação de diferentes sorotipos (6).
O entendimento dos antígenos da Salmonella é essencial para o desenvolvimento de técnicas diagnósticas, vacinas e controle de infecções (19). Embora a maioria dos casos de salmonelose seja autolimitada e resolva-se espontaneamente, em alguns casos, a infecção pode se tornar grave, especialmente em pessoas com sistema imunológico comprometido, menores de cinco anos (letal), pessoas com comorbidades como diabetes e pressão alta, gestantes e idosos (1).
A prevenção da salmonelose envolve práticas adequadas de higiene durante o manuseio de alimentos. Dessa forma, o manipulador ou colaborador deve lavar as mãos regularmente, usar máscaras e toucas nas cozinhas e plantas de processamento, cozinhar completamente os alimentos, evitar o consumo de ovos crus ou mal cozidos, e garantir que os utensílios de cozinha e superfícies estejam perfeitamente limpos e sanificados. Os surtos de salmonela são monitorados de perto por autoridades de saúde pública, e medidas são tomadas para investigar a fonte da contaminação (19).
A Salmonella emprega um elaborado mecanismo de patogenicidade para desencadear infecções no organismo hospedeiro. O processo se inicia quando a bactéria é ingerida por meio de alimentos ou água contaminados, conseguindo resistir às enzimas digestivas e condições ácidas estomacais (ácido clorídrico). Ao alcançar o intestino delgado, a Salmonella utiliza seus flagelos e pili para aderir às células epiteliais intestinais, posteriormente invadindo-as (20).
Dentro das células hospedeiras, a Salmonella desenvolve uma habilidade singular intracelular, evitando as defesas do sistema imunológico e multiplicando-se. Ao mesmo tempo, induz um processo inflamatório no trato gastrointestinal, mediado por toxinas e outros fatores de virulência (6). Essa inflamação contribui para os sintomas característicos da infecção, como febre, calafrios, perda de apetite, dor abdominal e diarreia. Em casos mais graves, a Salmonella pode escapar do intestino e disseminar-se pelo corpo (causando septicemia), podendo atingir órgãos distantes como fígado, baço e rins através da corrente sanguínea. Além disso, a bactéria possui a capacidade de colonizar o trato gastrointestinal por períodos prolongados, às vezes resultando em infecções crônicas (20).
A virulência da Salmonella é atribuída à expressão de uma variedade de genes associados a fatores de aderência, invasão, resistência às condições adversas e evasão do sistema imunológico (20,15). Nesse sistema genético complexo, a presença de nutrientes ou a interação com células hospedeiras podem modular a ativação ou desativação de genes. A bactéria utiliza fatores de aderência, como fímbrias e proteínas adesivas para se ligar às células epiteliais intestinais (21,22). O pequeno RNA PinT, presente em S. Typhimurium, desempenha um papel significativo na regulação do sistema de secreção tipo III da ilha de patogenicidade 1 (SPI1) dessa bactéria (23). Essa regulação é essencial para a transição da Salmonella da fase de invasão para a multiplicação intracelular, destacando o intricado controle genético de sua patogenicidade (24).
A presença de Salmonella em alimentos representa uma séria ameaça à saúde pública, resultando em milhões de casos de doenças transmitidas por alimentos (DTAs) e milhares de óbitos a cada ano. É importante enfatizar que a adoção de práticas de higiene e saúde pelos manipuladores durante a produção de alimentos, contribui para a redução do risco de Salmonella em seres humanos (14).
Listeria monocytogenes
Listeria monocytogenes é uma bactéria Gram-positiva não esporulada, causadora de toxinfecção alimentar, móvel, anaeróbica facultativa, psicrotrófica, catalase-positiva e oxidase-negativa. Sua presença é ubíqua na natureza, sendo encontrada na água, no solo, em silagem, alimentos de rápido consumo (lácteos e cárneos embalados e fatiados), fezes de humanos e animais, além de equipamentos e utensílios como facas e outros objetos utilizados na indústria (1,6).
Algumas espécies de Listeria incluem: L. monocytogenes, L. innocua, L. seeligeri, L. welshimeri, L. ivanovii, L. grayi, L. rocourtiae, L. marthii, L. denitrificans, L. murrayi, 12 L. fleischmannii e L. weihenstephanensis. Sendo L. monocytogenes a espécie mais patogênica em seres humanos e animais (6). Coloniza diversas superfícies em instalações de processamento, incluindo placas de polietileno, polipropileno, piso, aço inox, borracha, madeira, silicone, alumínio, entre outras, o que evidencia sua capacidade de se adaptar às condições inóspitas, como variações de pH (acidez) e presença de conservantes. É classificada como psicrotrófica, pois é capaz de se multiplicar em temperaturas entre 2 °C e 45 °C. Além da ampla faixa de temperatura, também demonstra capacidade de se multiplicar em intervalo de pH que varia de 4,3 a 9,6 (1,6).
Alimentos, especialmente, leite cru ou pasteurizado, produtos lácteos como queijos de baixa e alta umidade, defumados e congelados, patês, frutas, carnes e vegetais crus, podem atuar como veículos de transmissão da infecção de L. monocytogenes. A principal via de contaminação é a ingestão de alimentos contaminados. Ressalta-se que indivíduos imunocomprometidos, gestantes, indivíduos com comorbidades e idosos são mais suscetíveis aos efeitos da bactéria. Em mulheres gestantes, a bactéria pode ser especialmente preocupante, pois ela passa pela placenta, produz infecções neonatais graves e pode resultar na morte do feto (25).
A listeriose causada pela L. monocytogenes pode manifestar-se em duas principais formas: invasiva e não invasiva (26). A listeriose invasiva é caracterizada pela habilidade da bactéria em penetrar as células do sistema hospedeiro, resultando em uma infecção sistêmica. Os sintomas podem variar, desde febre, mialgia e náuseas até formas mais severas, como septicemia e meningite (9). A gravidade da listeriose invasiva pode ser letal, especialmente em grupos de risco, demandando atenção médica e hospitalar imediata. Complicações incluem a disseminação da infecção para órgãos internos (fígado, baço e rins) e para o sistema nervoso central (26). Enquanto a listeriose não invasiva, é caracterizada pela não invasão do sistema circulatório, causando gastroenterite aguda, diarreia, dores musculares, cólicas abdominais e febre moderada. Normalmente tem uma duração limitada, com a maioria dos pacientes se recuperando sem complicações (26,27).
A patogenicidade de L. monocytogenes envolve uma série de mecanismos genéticos e fisiológicos, sendo a habilidade de sobreviver e se multiplicar dentro das células hospedeiras, fundamental para sua patogenicidade. Tal capacidade se deve à presença de sistemas de aderência e invasão que permitem sua entrada nas células do hospedeiro, geralmente, células epiteliais e fagocíticas, como macrófagos e neutrófilos (1). Além disso, produz várias toxinas, incluindo a listeriolisina O, que promove a lise das células hospedeiras e permite a disseminação para outras células. L. monocytogenes possui genes específicos de virulência, como os agrupados no operon de patogenicidade LIPI-1, que codifica proteínas essenciais para a invasão e escape intracelular. A expressão dos genes de virulência é regulada em resposta às condições ambientais, como temperatura e pH (28).
A vigilância ativa de casos de listeriose humana deve ser realizada para detectar padrões que possam indicar a ocorrência de surtos por L. monocytogenes. Em resposta,algumas ações incluem a retirada de lotes de alimentos contaminados, a implementação de métodos higiênicos e medidas ambientais. Portanto, a compreensão abrangente dos aspectos fisiológicos e epidemiológicos é essencial para seu controle (9).
Escherichia coli
A Escherichia coli pertence à família Enterobacteriaceae, é comumente encontrada no intestino de humanos e animais de sangue quente participando do processo digestivo (1,6). Dessa forma, é capaz de sintetizar a vitamina K (lipossolúvel), importante para a coagulação sanguínea nos seres humanos. Contudo, muitas cepas de E. coli têm potencial patogênico, podendo ocasionar doenças, especialmente quando há a ingestão de alimentos ou água contaminados (1).
A E. coli é uma bactéria em forma de bastonete, Gram-negativa, anaeróbia facultativa, móvel, com flagelos peritríquios, fermenta glicose produzindo ácido e gás. Tolera pH de 4,4 a 9,0, com temperatura ótima de crescimento a 37 °C, o que contribui para sua multiplicação no trato gastrointestinal. Desenvolve-se em ambientes com atividade de água (Aw) acima de 0,95 e temperaturas entre 7 e 48 °C, sendo classificada como mesofílica. Destaca-se sua capacidade de se adaptar ao pH, conservantes em embutidos e outras condições inóspitas (1,5,6).
Seis patotipos de E. coli merecem destaque, incluindo E. coli enterotoxigênica (ETEC), responsável pela indução de diarreia, E. coli enteropatogênica (EPEC), associada à diarreia em berçários, mas que não produz toxinas, E. coli enterohemorrágica (STEC produtora de toxina Shiga), relacionada à colite hemorrágica e à síndrome hemolíticaurêmica, E. coli enteroinvasiva (EIEC), que provoca uma doença semelhante à disenteria, E. coli difusamente aderente (DAEC) e E. coli enteroagregativa (EAEC), associada a surtos de diarreia. (29). ETEC é responsável por cerca de 200 milhões de casos de diarreia e 380 mil mortes anuais, causando sintomas como diarreia aquosa, vômitos, dores abdominais, náuseas e febre leve. ETEC utiliza proteínas fibrilares ou fimbriais para colonizar a mucosa do intestino delgado, onde produz duas enterotoxinas: a termolábil (LT) e a termoestável (ST) (30).
Algumas cepas de E. coli, como as STEC, causam graves sintomas, uma vez que as toxinas danificam as células intestinais, levando a diarreia severa e síndrome hemolíticourêmica (SHU). Além da produção de toxinas, cepas patogênicas possuem outros fatores de virulência como adesinas, sistemas de secreção de proteínas e cápsulas (1). Além disso, o genoma da E. coli é adaptável, o que permite sua rápida resposta á mudanças ambientais. Cepas patogênicas carregam plasmídeos, elementos genéticos extracromossômicos que contêm genes de virulência regulados por fatores como nutrientes e interação com o hospedeiro (4,30).
A contaminação com E. coli ocorre por meio de alimentos contaminados, e em menor escala pela água e por contato direto entre pessoas. Alimentos como carne moída crua, vegetais não lavados e produtos lácteos não pasteurizados são frequentemente relacionados a surtos alimentares (31). Assim como ressaltado para os demais patógenos, métodos moleculares são empregados para comparar as cepas de E. coli e rastrear a fonte do surto (32).
A prevenção de infecções por E. coli abrange procedimentos como o cozimento adequado dos alimentos, higienização das mãos e antebraços dos colaboradores, a lavagem cuidadosa de vegetais, legumes e frutas antes do consumo, e evitar o consumo de produtoslácteos não pasteurizados. Além disso, a imposição de regulamentações na produção de alimentos e a adoção de boas práticas agrícolas e de fabricação são medidas fundamentais para assegurar a ausência de E. coli (2).
Bacillus cereus
O Bacillus cereus é uma das inúmeras espécies pertencentes ao gênero Bacillus com uma relação filogenética bem próxima. As espécies mais estudadas são B. anthracis, B. cereus e B. thuringiensis (entomopatogênico), conhecidas pelo seu potencial patogênico. Enquanto algumas cepas de B. cereus estão frequentemente ligadas a casos de intoxicação alimentar, também podem causar infecções em feridas, problemas oculares e até doenças sistêmicas (33). Com exceção de B. cereus, a maioria dos demais membros do gênero Bacillus não causam doença no ser humano (34).
B. cereus pertence à família Bacillaceae, são bastonetes Gram-positivo, aeróbio facultativo, e produtores de esporos. A contaminação de alimentos por essa bactéria ocorre frequentemente durante o processamento ou armazenamento inadequado, especialmente em temperaturas que favorecem sua multiplicação (1).
A produção de toxinas está ligada à presença de plasmídeos, os quais são regulados em resposta às condições ambientais e do hospedeiro. Entre os fatores de virulência, destacam-se enzimas e proteínas que facilitam a colonização e a formação de esporos resistentes, permitindo sua sobrevivência e persistência em ambientes alimentares (10). A bactéria pode gerar dois tipos principais de toxinas: a toxina emética e as toxinas diarreicas. A toxina emética desencadeia vômitos, é termoestável e associada ao consumo de arroz ou outros alimentos reaquecidos. Por outro lado, as toxinas diarreicas são termolábeis e provocam um quadro de diarreia aquosa. Acredita-se que a produção de toxinas está intrinsecamente relacionada à sua genética, sendo os genes responsáveis pela síntese de toxinas regulada por fatores ambientais, como temperatura e disponibilidade de nutrientes. Além das toxinas, o B. cereus apresenta outros fatores de virulência, incluindo enzimas degradativas e componentes da parede celular, que contribuem para sua capacidade patogênica. Diversas linhagens são capazes de sintetizar uma ampla variedade de metabólitos extracelulares, incluindo enzimas (proteases, lipases e lecitinases) que podem acelerar a deterioração de alimentos. Cepas distintas desses microrganismos são responsáveis por numerosos surtos associados a diversos produtos, como arroz, leite e derivados, cereais, macarrão, carne e vegetais (35).
A prevalência de B. cereus pode ser subestimada devido à leveza dos sintomas associados à toxinfecção, muitas vezes não reportados. Apesar disso, há registros de casos graves, como septicemia e infecções neuroinvasivas em imunocomprometidos (10). A gravidade da doença varia desde sintomas leves, como febre e cefaleia, a quadros mais sérios, dependendo da quantidade de toxina ingerida e da condição de saúde do indivíduo, sendo mais vulneráveis aqueles com comorbidades, crianças, idosos e gestantes (1).
A síndrome diarreica, é desencadeada por um grupo distinto de toxinas: a enterotoxina hemolítica (HBL), a enterotoxina não-hemolítica (NHE) e a citotoxina K (CytK). Essas toxinas apresentam elevada sensibilidade ao pH baixo e às proteases digestivas, o que impede o desenvolvimento de sintomas diarreicos quando sua produção ocorre no alimento. Consequentemente, a toxinfecção ocorre devido à produção de enterotoxinas no intestino delgado pelas células vegetativas de B. cereus ou pelos endósporos ingeridos. Os endósporos são resistentes a altas temperaturas, falta de água,procedimentos de higienização e podem formar biofilmes (37). Estudos realizados com a espécie B. subtilis revelaram que os biofilmes atuam como reservatórios naturais de endósporos, tornando desafiadora a sua erradicação. Embora a formação de biofilmes tenha sido investigada em B. subtilis, uma espécie intimamente relacionada ao B. cereus, há ainda lacunas no conhecimento sobre este último. No entanto, a relevância da motilidade e dos endósporos na aderência a superfícies não biológicas é reconhecida (35,36).
A investigação de surtos alimentares por B. cereus envolve a identificação rápida da fonte de contaminação. Métodos laboratoriais moleculares na análise microbiológica de amostras alimentares e clínicas são essenciais. A colaboração entre autoridades de saúde pública, laboratórios e instituições de pesquisa é fundamental para uma resposta eficaz. A prevenção de infecções por B. cereus envolve o armazenamento adequado, a refrigeração rápida, o cozimento completo dos alimentos e a higiene durante a manipulação (36,37).
Os estudos sobre B. cereus em alimentos destacam a capacidade desse microrganismo de resistir e se multiplicar durante o processo de cocção, especialmente em relação a diferentes temperaturas pós-cozimento. Além disso, a presença de atividade proteolítica em todas as cepas evidencia a potencial capacidade desse microrganismo de afetar a segurança dos alimentos (1,6).
Staphylococcus aureus
O Staphylococcus aureus é frequentemente associado à intoxicação alimentar, mas, na realidade, é mais apropriado referir-se a seus efeitos como toxinose alimentar. No cenário brasileiro, é essencial ressaltar que o termo “intoxicação” é preferencialmente reservado para situações envolvendo agentes químicos, excluindo os relacionados a agentes biológicos. Essa distinção é essencial para prevenir equívocos, especialmente ao lidar com as toxinas produzidas por S. aureus e também Clostridium botulinum. Ressaltase que em alguns livros e artigos podemos encontrar o termo intoxicação (1).
Trata-se de uma bactéria Gram-positiva, aeróbia facultativa, apresentando-se na forma de cocos agrupados em configuração semelhante a cachos de uva, o que justifica seu nome “staphylo” (1,5). Até o ano de 2009, pertencia à família Micrococcaceae, e a partir de 2009, foi reclassificado como pertencente à família Staphylococcaceae. O gênero Staphylococcus abrange aproximadamente 53 espécies, sendo S. aureus a mais frequentemente associada às doenças estafilocócicas, quer sejam de origem alimentar ou não (5,38). Essa bactéria possui a capacidade de fermentar vários açúcares, incluindo o manitol, o qual é frequentemente utilizado como substrato para quantifica-la em laboratório (1).
O meio mais amplamente utilizado para o cultivo de S. aureus é o Baird-Parker, conhecido por sua halotolerância, este meio permite o crescimento da bactéria em atividade de água de 0,88, com variações entre 0,83 (correspondente a 15% de sal) e 0,89 (1,5). Embora sejam tolerantes a concentrações de 10% a 20% de sal e a nitratos (38).
São 17 toxinas identificadas e rotuladas de “a” a “q”, sendo a mais prevalente, a toxina “a” predominante em muitos surtos (1,5). S. aureus desencadeia diversos tipos de intoxicações, produzindo aproximadamente 20 fatores de virulência, entre os quais se destaca a coagulase, embora essa ennzima não seja exclusiva da família. A coagulase, quando produzida durante uma infecção em humanos ou animais, tem a capacidade de coagular o fibrinogênio resultando na formação de uma nuvem de fibrina no plasmasanguíneo. Esse mecanismo é estratégico para evitar o reconhecimento pela resposta imunológica e a subsequente eliminação. Dentre as espécies produtoras de coagulase estão o S. aureus, S. epidermidis; S. hyicus, S. intermedius e o S. schleiferi subsp. coagulans (5).
S. aureus está presente no corpo humano e de animais, incluindo regiões como nariz, garganta, pelos e pele. Esse microrganismo é caracterizado como comensal, pois se alimenta das secreções oleosas produzidas na pele causando diversos quadros de infecções em humanos e animais (40). É importante notar que nem todos os isolados de S. aureus produzem enterotoxinas, mas quando se trata de contaminação alimentar, todos esses isolados são capazes de produzir toxinas. A presença da coagulase positiva é um critério distintivo, considerando todos os organismos assim identificados como a espécie “aureus” e produtores potenciais de enterotoxinas (5,40).
O alimento cozido ou processado permite a multiplicação da bactéria que, por sua vez, possuem genes que produz a enterotoxina. Com uma quantidade entre 105 e 108 de população, há toxinas suficientes para desencadear um quadro de toxinose a saúde dos seres humanos (5,6). No estômago, a toxina estimula o nervo vago, sensibiliza o cérebro desencadeando o vômito. O início do processo de vômito pode ocorrer em questão de minutos ou horas após a ingestão do alimento contaminado. Além disso, a toxina que não é absorvida a nível de estômago causa danos as microvilosidades podendo ocasionar a diarreia. Dependendo da toxina, podem estar presentes dores abdominais e dor de cabeça (6,39).
A enterotoxina “a” demonstra notável resistência ao calor, sendo capaz de permanecer ativa, por exemplo, mesmo após um alimento ser fervido por 30 minutos. É preocupante que, em muitas situações, embora o tratamento térmico possa eliminar a presença da bactéria, a toxina ainda persiste no alimento. Vários estudos indicam que, mesmo submetidas a tratamentos térmicos intensos que causam desnaturação, essas toxinas, por serem proteínas, possuem a capacidade de se reconfigurar ao longo do tempo, recuperando sua atividade (40). Aliado a isso, resistência das toxinas às enzimas estomacais é notável, visto que, por ser uma proteína, a enzima gástrica não degrada efetivamente a toxina “a”, mantendo a viável. A melhor abordagem para evitar a presença da bactéria e, consequentemente, da toxina no alimento é adotar medidas preventivas adequadas (41). Dentre as síndromes causadas pelo S. aureus, destaca-se a Síndrome do choque tóxico (toxina 1). Esta toxina causa febre, hipertensão, congestão de vários órgãos e choque letal (1,6).
S. aureus é conhecido por sua habilidade de formar biofilmes. Esses biofilmes proporcionam uma plataforma de sobrevivência robusta para S. aureus, conferindo-lhe resistência a condições adversas, incluindo desinfetantes e antimicrobianos. A capacidade de S. aureus formar biofilmes está diretamente associada à sua multiplicação em ambientes diversos, como superfícies e dispositivos implantáveis. A compreensão aprofundada dos mecanismos de formação e regulação de biofilmes por S. aureus é essencial para o desenvolvimento de estratégias eficazes de prevenção e controle dessas infecções persistentes (42).
A presença de S. aureus em alimentos é um sério risco para a saúde humana devido à produção de toxinas. Dessa forma, deve se ter práticas rigorosas de higiene durante a produção e manipulação de alimentos, bem como a implementação de medidas de armazenamento adequadas. A conscientização sobre os perigos associados ao S. aureus e a adoção de boas práticas sanitárias são fundamentais para assegurar a integridade dos alimentos e a saúde dos consumidores (2,6).
Clostridium botulinum
O gênero Clostridium é pertencente à família Clostridiaceae, um grupo notável dentre os 11 gêneros bacterianos dessa família, com 300 espécies. Essas bactérias Grampositivas são anaeróbias estritas, bastonetes e formadoras de endósporos. Diversas espécies desse gênero foram recentemente realocadas em novos gêneros, enquanto o Clostridium estrito sensu, ou grupo I, é definido por relações genéticas mais estreitas (1,43). As cepas patogênicas de clostrídios que exercem significativo impacto na saúde humana e animal incluem C. perfringens, C. tetani, C. botulinum e outras espécies que produzem toxinas (43).
C. botulinum é uma bactéria Gram-positiva anaeróbica, móvel (por meio de flagelos peritríqueos) e apresenta forma de bastonete. Essa bactéria se multiplica em alimentos com pH superior a 4-6, formando esporos terminais na ponta do bastonete, que abrigam genes responsáveis pela produção das potentes toxinas botulínicas (1,5,6).
O endósporo bacteriano é uma célula especial, onde o citoplasma entra em completo estado de dormência. Sua viabilidade a longo prazo, depende da proteção fornecida por duas paredes distintas: o córtex, uma parede especializada e interna de peptidoglicano e a parede de proteína externa dos esporos. O núcleo do esporo permanece em estado relativamente desidratado, sendo fundamental para a resistência (8,44).
C. botulinum se destaca pela formação de endósporos altamente resistentes ao calor. Essa espécie é patogênica e está associada à condição conhecida como botulismo. As diferentes cepas de C. botulinum (A-G) têm a capacidade de produzir sete neurotoxinas sorologicamente distintas e extremamente potentes. Estas toxinas botulínicas interferem na liberação de acetilcolina em junções neuromusculares, gânglios autonômicos e terminações nervosas parassimpáticas, resultando em uma paralisia descendente e disfunção do sistema nervoso autônomo (8,9). Embora o C. botulinum não esteja frequentemente associado a um grande número de surtos ou casos, ele produz uma toxina que pode levar à morte, com uma taxa de letalidade que chega a 60%. O número de contaminações relacionadas à produção de toxinas nos alimentos é consideravelmente menor. No entanto, esses casos individuais são de particular importância, uma vez que envolvem a produção de toxinas resistentes, que, embora não estejam necessariamente ligadas a surtos generalizados, podem resultar em taxas significativas de mortalidade (45).
A epidemiologia da toxinose varia entre os diferentes tipos de toxinas, sendo que os tipos A, B e E causam a maioria dos casos de botulismo em humanos. O botulismo manifesta-se em diversas formas, incluindo o botulismo alimentar (onde a toxina pré- formada no alimento é ingerida), o botulismo infantil (onde a toxina é produzida no intestino da criança) e o botulismo por ferida (45).
As estirpes de C. botulinum são classificadas nos grupos I, II, III e IV, cada um apresentando características específicas. As cepas dos grupos I e II apresentam riscos distintos no processamento de alimentos. No grupo I, observam-se esporos altamente resistentes ao calor, frequentemente associados a práticas térmicas inadequadas em produtos como conservas de legumes e carnes curadas. Já as cepas do grupo II, devido à sua capacidade de crescimento em temperaturas de refrigeração, representam um risco em alimentos industrialmente processados. Estes alimentos, submetidos a tratamentos térmicos suaves, podem permitir a sobrevivência dos esporos do grupo II. Embora a vedaçãohermética prolongue a vida útil dos alimentos, cria condições anaeróbias propícias para a germinação dos endósporos e o crescimento de células vegetativas de C. botulinum (5,46).
O Clostridium é um microrganismo termofílico que permanece latente por anos sem apresentar manifestações, demonstrando notável resistência a tratamentos térmicos, como o processo de estufagem em latas. Ao se multiplicar, tem a capacidade de gerar gás e produzir a perigosa toxina botulínica, conhecida por seu uso em procedimentos estéticos como o botox, onde é empregada para induzir a paralisia muscular temporária (46,47).
A multiplicação da bactéria ocorre em condições anaeróbicas, favorecidas por ambientes intestinais e locais com baixa acidez. A liberação da toxina botulínica ocorre durante a fase estacionária de crescimento, quando a população bacteriana atinge seu ponto máximo (45).
A identificação precoce em alimentos suspeitos é essencial. Dessa forma, técnicas moleculares podem ser empregadas para detecção rápida para eliminar o surto. Compreender os mecanismos de patogenicidade, a genética envolvida na produção de toxinas e outros fatores de virulência são essenciais para o desenvolvimento de estratégias preventivas e de intervenção em surtos alimentares causados por C. botulinum (46).
CONCLUSÕES
Esse estudo abordou a relevância das bactérias patogênicas nos alimentos como uma das principais causas de doenças transmitidas por alimentos, destacando os riscos à saúde pública e a necessidade de controle rigoroso. Foram abordadas as principais bactérias patogênicas veiculadas por alimentos, Salmonella, Listeria monocytogenes, Escherichia coli, Bacillus cereus, Staphylococcus aureus e Clostridium botulinum. Esses patógenos apresentam alta capacidade de causar doenças, especialmente quando falhas na manipulação, armazenamento ou processamento de alimentos permitem sua disseminação. Cada uma dessas bactérias tem características biológicas específicas que aumentam seu potencial patogênico, incluindo a formação de biofilmes, resistência a condições ambientais adversas e produção de toxinas. Condições inadequadas de temperatura, falta de higienização de utensílios e superfícies, e consumo de alimentos crus ou malcozidos, ampliam o risco de contaminação. Portanto, a adoção de boas práticas de higiene e fabricação é fundamental, isso inclui desde a limpeza rigorosa de superfícies e utensílios até o controle efetivo de temperatura e condições de armazenamento. Além disso, a conscientização dos colaboradores quanto à importância do uso de equipamentos de proteção individual, como luvas, máscaras e toucas, aliado ao monitoramento constante pelas autoridades com metodologias de rápido e fácil diagnóstico, são medidas cruciais para mitigar riscos à saúde pública. O cumprimento rigoroso dessas práticas reduz significativamente a incidência de surtos e protege a integridade dos alimentos e consumidores.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem o apoio da Universidade Federal de Lavras, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas-Gerais (FAPEMIG).
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