PRINCIPAIS MICRORGANIMOS PATOGÊNICOS PRESENTESEM QUEIJO MINAS ARTESANAL
Este capítulo faz parte da coletânea de trabalhos apresentados na VII Semana de Alimentos (Semal), publicado no livro: Avanços e Pesquisas em Ciência dos Alimentos: Novas Tendências e Aplicações. – Acesse ele aqui.
DOI: 10.53934/agronfy-2025-03-09
ISBN:
Jessica Raquel Sales Carvalho de Souza *; Filipe da Silva de Oliveira ; Mônica Aparecida da Silva ; Michelle Carlota Gonçalves ; Bruna Azevedo Balduíno; Monique Suela Silva ; Fernanda Pereira ; Anderson Henrique Venâncio ; Roberta Hilsdorf Piccoli
*Autor correspondente (Corresponding author) – Email: – jessica.souza9@estudante.ufla.br
Resumo
O queijo Minas artesanal é um símbolo da tradição e da riqueza cultural brasileira, amplamente apreciado por suas características sensoriais únicas e por representar o saber-fazer de gerações. Tais características, são atribuídas em grande parte, a microbiota natural da principal matéria prima utilizada, o leite cru. Embora o leite cru contenha microrganismos desejáveis, em alguns casos, também conter a presença microrganismos patogênicos, como Listeria monocytogenes, Escherichia coli, Salmonella spp. e Staphylococcus aureus. Nesta revisão, objetiva-se descrever as características destes microrganismos indesejáveis nos queijos, bem como as fontes de contaminação e os riscos para a saúde, devido a surtos de doenças causados por estes patógenos. Metodologicamente, utilizou-se para esta revisão, pesquisas em textos e artigos da literatura, relacionados a microbiota contaminante associada a produção de queijos Minas artesanais. Considerando a discussão feita, destaca-se a relação dos patógenos em questão com falhas nas práticas de controle de qualidade ao longo da cadeia de produtiva do queijo. Em contraponto, ressalta-se que as boas práticas de fabricação e a etapa de maturação possibilita a redução e ou inativação dos microrganismos indesejáveis do produto acabado. Dessa forma, este estudo apresentou informações gerais sobre os patógenos associado ao queijo Minas artesanal, para principalmente, evidenciar à respeito de sua segurança para o consumo.
Palavras–chave: bactéria patogênica; inocuidade; contaminantes
INTRODUÇÃO
A produção de queijos é globalmente abrangente e compreende uma ampla diversidade de variedades produzidas. Existem pelo menos 1.000 tipos de queijos, provenientes de diversas regiões e países, cada um com sua própria característica sensorial distinta (1).
No contexto nacional, Minas Gerais se destaca na produção de queijos. Em 2020, o estado mineiro foi responsável por cerca de 40% do total de 1,2 milhão de toneladas de queijos produzidos no Brasil (2). Embora a maior parte dos queijos produzidos em Minas Gerais sejam industrializados, o estado é reconhecido pela tradicional e histórica produção de queijos de fabricação artesanal (3).
Os queijos artesanais de Minas Gerais englobam diferentes variedades de queijos artesanais. Dentre estes, têm-se o queijo Minas artesanal (QMA) que é um típico queijo mineiro, atualmente bastante reconhecido e valorizado. Vários prêmios internacionais de prestígio já foram concedidos, como em 2015, 2017 e 2019, com a premiação do Super Gold, Gold, Silver e Bronze Awards no Mondial du Fromage et desProduits Laitiers, na França (4). Recentemente, o queijo Minas artesanal também foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (5).
O queijo Minas artesanal é considerado o queijo elaborado a partir do leite de vaca, integral, fresco, cru, hígido e recém ordenhado, com uso de cultura láctica natural, com características como consistência firme, cor e sabor próprios, massa uniforme, livre de corantes e conservantes, com ou sem olhaduras mecânicas, fabricado dentro do estado de Minas Gerais, conforme a tradição histórica e cultural da região de origem (6).
Segundo o Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), para que os queijos tenham a designação de Queijos Minas Artesanal (QMA), esses devem ser elaborados em microrregiões legalmente reconhecidas como produtoras tradicionais do QMA. Atualmente, estas microrregiões incluem Araxá, Campos das Vertentes, Canastra, Cerrado, Diamantina, Serra do Salitre, Serro, Triângulo Mineiro, Serras da Ibitipoca e Entre Serras da Piedade ao Caraça (7). Essas regiões são consideradas tradicionais devido à sua história e cultura ligadas ao ‘modo de fazer’ do queijo. Tal condição é comprovada por estudos históricos, agroecológicos e climáticos, que identificam, caracterizam e delimitam essas áreas como regiões de produção tradicional (8).
Os QMA apresentam características sensoriais diferenciadas que são associados à microrregião na qual ele é produzido e a microrganismos desejáveis, como as bactérias láticas, que fazem parte da microbiota natural do leite cru utilizado no processo de fabricação dos queijos (9). Entretanto, o uso de leite de vaca cru, pode levar a surtos de toxinfecções alimentares nos seres humanos, quando na produção do queijo não for empregando corretamente as boas práticas de fabricação, bem como não for maturado por tempo suficiente para a eliminação de possíveis bactérias potencialmente patogênicas, como Listeria monocytogenes, Staphylococcus aureus, Salmonella spp. e Escherichia coli, as quais podem ocasionar toxinfecções alimentares (10).
A sobrevivência de Listeria monocytogenes, por exemplo, está associada à sua alta tolerância a fatores estressantes, como pH ácido, baixa atividade de água e elevadas concentrações de sal, características comuns em queijos artesanais de média e alta umidade (11). Já Staphylococcus aureus é favorecida por práticas inadequadas de manejo, como manipulação por portadores assintomáticos e contaminação do leite cru, especialmente em casos de mastite bovina, somadas à sua capacidade de sobreviver em condições de baixa atividade de água e alta salinidade (12). Escherichia coli, por sua vez, pode ser introduzida ao produto por contaminação cruzada, falta de higienização de equipamentos e práticas inadequadas de fabricação (13,14). Por fim, Salmonella spp. é um gênero bacteriano amplamente distribuído na natureza e no trato intestinal de animais, capaz de sobreviver a ambientes com variações de pH e moderada concentração de sal, tornando-se um risco potencial nos queijos produzidos de maneira artesanal (15).
Dessa forma, apesar das características intrínsecas dos queijos maturados atuarem normalmente como barreiras ao crescimento de microrganismos indesejáveis, em alguns casos, estes patógenos podem apresentar persistência no produto devido a sua alta adaptabilidade a condições estressantes (16).
Diante do contexto apresentado, a contaminação de alimentos por estes microrganismos é uma relevante questão de saúde pública. Portanto, o objetivo deste capitulo é realizar uma pesquisa de revisão bibliográfica sobre os principais patógenos associados aos queijos Minas artesanais e as implicações de sua presença no produto quanto a segurança para o consumo.
LISTERIA MONOCYTOGENES
A bactéria L. monocytogenes é um bacilo curto (aproximadamente 0,5μm de diâmetro e 2,0μm de comprimento), gram-positivo, não esporulado, móvel, anaeróbico facultativo, psicotrófico, catalase-positivo e oxidase-negativo. É classificada como heterofermentativa, com produção de ácido lático, ácido acético e outros produtos finais a partir da fermentação da glicose e de outros açúcares (17,18).
Pode crescer e sobreviver sob ampla variedade de condições estressantes. Possui ampla faixa de temperatura de crescimento, com características peculiares quanto a resistência térmica e pode multiplicar-se em temperatura de refrigeração. A faixa de temperatura de crescimento da bactéria varia de -0,4 a 50ºC, sendo a temperatura ótima de multiplicação entre 30 e 37ºC. Pode crescer em condições aeróbicas ou anaeróbicas, porém o crescimento é potencializado na presença de CO2. Apresenta alto nível de osmotolerância, que permite crescimento em elevadas concentrações de sal (até 20%) e em baixa atividade de água (aw 0,91). Em relação ao pH, também possui ampla faixa de crescimento compreendendo valores entre 4,4 a 9,6, com pH ótimo de crescimento de 7,0 (11).
Devido a disseminação, persistência no ambiente e as características de L. monocytogenes, os alimentos são os principais agentes veiculares da listeriose que está associada principalmente ao consumo de produtos lácteos (com destaque para o leite cru), queijos, carne vermelha, aves e alimentos prontos para o consumo (19,20).
A listeriose é considerada uma doença veiculada por alimentos de fundamental importância em saúde pública e pode se manifestar de duas formas clínicas: nãoinvasiva limitada ao canal digestivo; e invasiva, quando L. monocytogenes ultrapassa a barreira intestinal e causa uma infecção sistêmica (21). Especialmente devido à gravidade, elevada taxa de letalidade e a propensão de determinados indivíduos desenvolverem a doença na sua forma invasiva, há uma grande preocupação de órgãos oficiais de regulamentação em termos de segurança dos alimentos (22).
A silagem contaminada é uma fonte comum de infecção por Listeria monocytogenes em animais. A mastite provocada por L. monocytogenes também causa eliminação de números altos dessa bactéria no leite (23). Assim a contaminação pode surgir através da matéria prima, durante a ordenha, transporte, armazenamento ou pelo ambiente de produção e utensílios contaminados, o que representa um risco significativo na cadeia produtiva de queijos artesanais (24).
A presença de L. monocytogenes em leite cru é preocupante, pois o leite cru é usado na elaboração de queijos artesanais tradicionais. A ocorrência de L. monocytogenes tem sido relatada em diferentes tipos de queijos artesanais ao redor do mundo, como por exemplo na Colômbia (25), Polônia (26) e Bélgica (27). No Brasil, apesar da baixa incidência de L. monocytogenes em queijos, há pesquisas que identificaram o patógeno nas regiões do Serro, Canastra, Araxá, Cerrado Mineiro (28,30).
ESCHERICHIA COLI
Escherichia coli é um bastonete gram-positivo, anaeróbico facultativo, oxidase negativo, capaz de fermentar a lactose a 45 °C e produzir gás ou ácido (31). Essa bactéria pertence à família das Enterobacteriaceas e é o principal representante do grupo dos coliformes termotolerantes (14).
Pode se desenvolver em pH de 4,4 a 9,0 (32) e é conhecida por sua resistência a ambientes ácidos, permitindo sua sobrevivência no trato intestinal. Possui capacidade de crescer em temperaturas entre 7 e 48 °C, mas tem crescimento ótimo a temperatura de 37 °C. Em condições ideais, multiplica-se em atividade de água superior a 0,95 (33).
Escherichia coli é considerado um indicador de falhas de higiene durante a fabricação de alimentos, pois é facilmente eliminado em processos de sanitização. Está presente naturalmente no trato gastrointestinal de animais de sangue quente, e por isso pode contaminar o leite, tanto durante o processo de ordenha, por meio da contaminação fecal, quanto por contaminação cruzada, em qualquer momento através do manipulador. Isso ocorre especialmente em situações de higienização insuficiente de equipamentos, utensílios e mãos (34,35).
A presença de E. coli está associada a um dos defeitos mais comuns encontrados em queijos, que é conhecido como estufamento precoce. O processo fermentativo que leva a produção de gás, resulta na formação de pequenas bolhas, que comprometem tanto a aparência quanto o sabor do queijo (36, 37).
Apesar de não ser considerada uma bactéria patogênica, E. coli possui seis patotipos que podem levar a infecção, sendo estas E. coli enteropatogênica (EPEC), E. coli enterotoxigênica (ETEC), E. coli enterro-hemorrágica (EHEC), E. coli enteroagregativa (EAggEC), E. coli enteroinvasiva (EIEC) e E. coli difusamente aderente (DAEC) (38).
Considerando estes aspectos, E. coli é uma bactéria de grande importância, além de ser frequentemente encontrada em queijos artesanais. Allaion et al. (29) estudaram parâmetros microbiológicos de amostras de QMA coletados em unidades de varejo. Dentre as amostras analisadas, 31% testou positiva para E. coli, extrapolando os limites estabelecidos pela legislação. Já Campos et al. (4) verificaram que 18% das amostras coletadas durante a produção, de produtores cadastrados ou não no IMA, excederam tais limites de tolerância. Entretanto, é importante destacar que vários estudos sugerem que a microbiota desejável dos queijos (bactérias ácido láticas) ao longo da maturação, tem o efeito benéfico de reduzir e/ou inibir do crescimento de Escherichia coli (39,40,41).
STAPHYLOCOCCUS COAGULASE POSITIVO
Staphylococcus são bactérias gram-positivas, com formato cocos, em pares, que se dividem em mais de um plano, com cadeias pequenas que lembram cachos de uva. São anaeróbias facultativas, catalase usualmente positiva e oxidase usualmente negativa, imóveis e não produtora de esporos (42). Este gênero é composto por 47 espécies e 24 subespécies, subdivididos em dois grupos, conforme sua capacidade de produzir a enzima coagulase. Estes, se referem aos grupos S. intermedius (incluindo S. intermedius, S. delphini) e ao grupo S. aureus (incluindo S. aureus subsp. aureus, S. aureus subsp. anaerobius) (43).
A produção de coagulase é considerada uma indicação de patogenicidade entre as espécies de Staphylococcus. Dentre estas, S. aureus é uma espécie de grande interesse, pois está associada com intoxicações alimentares e a produção de enterotoxinas (44).
Na intoxicação estafilocócica, as enterotoxinas agem no trato gastrintestinal. As enterotoxinas são estruturas de resistência produzidas pelas bactérias, que permanecem presentes mesmo após o processamento térmico do alimento (45). Os sintomas observados com maior frequência na intoxicação estafilocócica, são vômito e diarreia, devido a ação em sítios localizados no intestino delgado que provocam inflamação e irritação (46,47).
Devido a bactéria compor a microbiota da pele, glândulas e mucosas de animais de sangue quente, sua presença costuma ser frequente em queijos fabricados a partir de leite cru (14). Em bovinos, é considerada um dos principais agentes etiológicos das mastites, que causa infecção das glândulas mamárias, e por isso, torna o leite uma das principais fontes de contaminação. Durante a fabricação do queijo, também pode ocorrer a contaminação por esse microrganismo devido a manipulação frequente que o processo artesanal de fazer os queijos exige, bem como falhas na higienização dos manipuladores, inclusive por portadores assintomáticos do patógeno (12,48).
Estudos realizados visando avaliar a qualidade microbiológica de queijos artesanais produzidos em Minas Gerais, identificaram altas contagens de S. coagulase positiva (49,51). Além de todos os pontos citados, o ambiente intriseco do queijo é favoravel para seu estabelecimento, já que pode crescer em pH entre 4,2 e 9,3, concentração de até 15% de NaCl e baixa atividade de água (0,83 aw) (12).
Apesar do processo de maturação ser eficiente para assegurar a segurança do queijo, a contaminação por S. auereus ainda é recorrente, e a presença de linhagens enterotoxigênicas pode levar a produção de enterotoxinas capazes de desencadear surtos de intoxicação alimentar. Sabe-se que populações elevadas (<105 UFC por grama), além de condições intrínsecas adequadas (temperatura, pH, atividade de água e O2) produzem uma ou mais enterotoxinas estafilocócicas nos alimentos (52).
SALMONELLA
Salmonella spp. é um gênero da família Enterobacteriaceae, caracterizada como bacilos retos, gram-negativos não esporogênicos, anaeróbicos facultativos e oxidase negativos. Sua classificação quanto a nível de espécies é pouco usada nos estudos epidemiológicos, sendo mais conhecida e utilizada a nomenclatura relacionada com a sorotipagem (14). Os principais sorotipos que causam infecções alimentares atualmente são o S. Enteritidis e o S. Typhimurium, ambos da subespécie entérica (53).
Por habitarem comumente o trato instestinal de animais de sangue quente, são microrganismos considerados ubíquos, ou seja, são amplamente distribuídos pela natureza. Por esta razão, costumam estar presente nos locais de produção animal, sendo que a maioria das infecções humanas por Salmonella spp. são associadas à ingestão de carne, ovos e produtos lácteos contaminados (16).
As infecções causadas por Salmonella spp. ocasionam uma doença conhecida como salmonelose. Normalmente, as salmoneloses de origem alimentar causam náusea, diarréia, dor abdominal, calafrios e febre baixa. No entanto, em alguns casos, particularmente em crianças e pacientes idosos, a desidratação associada pode se tornar grave e com maior risco. Embora grandes surtos de Salmonella spp. atraiam a atenção da mídia, muitos casos de salmonelose não são reconhecidos ou diagnosticados como tal (54).
A ampla capacidade de crescimento de Salmonella spp. em condições de variáveis de pH (faixa entre 4,5 a 8,0), baixa atividade de água (até 0,94) e concentrações moderadas de sal (3% a 5%), explica a contaminação de queijos maturados por Salmonella spp. (15). Yamanaka et al. (55) encontraram 6,3% do QMA comercializados em dez regiões metropolitanas brasileiras, contaminados com Salmonella spp.. Por outro lado, Resende et al. (56), Santos et al. (57) e Soares et al.(58) não identificaram Salmonella spp. em amostras de QMA.
A ausência de Salmonella spp. em queijos artesanais é comumente observada, principalmente devido à sua baixa incidência no leite cru. Para que haja contaminação, é necessário um ponto crítico, como a manipulação inadequada, contato com animais doentes ou uso de água contaminada. Para além disso, condições intrínsecas desses queijos, como o desenvolvimento de acidez e a competição microbiana durante o processo de maturação, podem dificultar a sobrevivência e detecção de Salmonella spp., especialmente em casos de contaminação inicial em níveis reduzidos. Desse modo, infere-se que tais condições contribuem para a redução do risco de possíveis surtos de salmonelose, ocasionados pelo consumo dos queijos Minas artesanais (59).
CONTROLE DA QUALIDADE MICROBIOLÓGICA DURANTE A FABRICAÇÃO DO QMA
O “saber-fazer” os queijos, são técnicas tradicionais e ancestrais, reconhecidas e regulamentadas pela legislação, que incluem etapas fundamentais, como obtenção do leite cru de alta qualidade, filtração, adição de pingo (soro fermentado), coagulação, corte da coalhada, prensagem manual, salga a seco e maturação (3).
Considerando que na produção do QMA, o leite não pode passar por tratamento térmico, a adoção de medidas para boas práticas de fabricação (BPF) e de boas práticas agropecuárias (BPA) tem grande importância para garantir condições seguras durante a fabricação do queijo. No caso do QMA, essas práticas incluem por exemplo, o controle sanitário dos animais e da ordenha, higienização rigorosa de utensílios e equipamentos, cuidados na manipulação, armazenamento e com o ambiente de produção. Como discutido, a adoção dessas práticas minimiza a introdução de microrganismos patogênicos no processamento (60).
A etapa de maturação dos queijos também é considerada crucial para garantia da sua segurança microbiológica, visto que transformações físico-químicas nesse período alteram fatores intrínsecos importantes para o desenvolvimento de microrganismos indesejáveis. Além disso, ainda atribui-se a redução dos patógenos a atividade antimicrobiana de bactérias láticas (61). Dessa forma o tempo de maturação adequado, possibilita a inativação ou redução a níveis seguros destes microrganismos no queijo.
No que se refere a legislação do queijo Minas Artesanal em vigência, a Instrução Normativa n° 161, de 1° de julho de 2022, estabelece as listas de padrões microbiológicos para queijos com umidade abaixo de 46% (o qual se enquadra o QMA) (Tabela 1) (62) e o Instituto Mineiro Agropecuário (IMA) órgão que fiscaliza as queijarias, dispõe sobre os parâmetros microbiológicos de alimentos de origem animal e água de abastecimento, por meio da publicação da Portaria de n° 2033, de 23 de janeiro de 2021 (Tabela 2) (63).


O cumprimento dos padrões microbiológicos estabelecidos pela legislação assegura a segurança e qualidade final do QMA. Para isso, o processo de fabricação do queijo demanda a integração entre de boas práticas agropecuárias, boas práticas defabricação e processos adequados de maturação. A implementação destas medidas, além de garantir a segurança do queijo para o consumo, também reflete o compromisso e o esforço em conjunto dos produtores familiares e das instituições estaduais e federais envolvidas na assistência e regulamentação do produto. Assim, pode se preservar as características tradicionais e artesanais que conferem valor ao queijo e fortalecer a confiança dos consumidores no produto (63,64).
CONCLUSÃO
O queijo Minas artesanal (QMA) é tido como patrimônio cultural e gastronômico mineiro, que preserva tradições seculares e agrega valor às regiões produtoras. Contudo, o uso de leite cru e as condições que do próprio processo artesanal de fabricação, favorece o risco de contaminações dos queijos, especialmente frente à patógenos como Listeria monocytogenes, Salmonella spp., Escherichia coli e Staphylococcus coagulase positivo.
Por meio desta revisão bibliográfica, foi possível apresentar as principais fontes de contaminação e os fatores que favorecem a sobrevivência desses microrganismos no QMA. Paralelamente, foram destacadas medidas que contribuem para a redução de riscos, como a adoção das boas práticas de fabricação e o controle adequado das etapas de maturação. Tais medidas não apenas melhoram a segurança microbiológica do produto, mas também preservam suas características sensoriais tão apreciadas.
Desta forma, conclui-se este trabalho enfatizando a importância entre a tradição e qualidade do QMA para valorização e reconhecimento com um produto artesanal singular e seguro.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem o apoio financeiro das agências CAPES, CNPq e FAPEMIG.
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