PRODUÇÃO E APLICAÇÃO DE EXTRATO ENZIMÁTICO DEALFA AMILASE, AMILOGLUCOSIDASE E CELULASE NAFORMULAÇÃO DE PÃES SEM GLÚTEN
Este capítulo faz parte da coletânea de trabalhos apresentados na VII Semana de Alimentos (Semal), publicado no livro: Avanços e Pesquisas em Ciência dos Alimentos: Novas Tendências e Aplicações. – Acesse ele aqui.
DOI: 10.53934/agronfy-2025-03-26
ISBN:
Raquel Troncoso Chaves Moreno 1*; Geisa Juliana Gomes Marques Fortunato 2 Gabryel da Silva Alves 3; Vitor Hugo Pacheco Jardim 4; Kamila Silva Mendes 5; Samara Tayná Pimenta Silva 6; Diva Mendonça Garcia 7; Márcio Caliari 8; Manoel Soares Soares Junior
*Autor correspondente (Corresponding author) –Email: raquel.troncoso@hotmail.com;
RESUMO
A aplicação de enzimas em produtos de panificação sem glúten vem sendo estudada como uma alternativa para a substituição de aditivos químicos, como melhoradores de farinha e emulsificantes, já que apresentam efeitos na otimização da fermentação, melhora da textura da massa e maciez do miolo e aumento de volume dos pães. Assim, este trabalho teve como objetivo produzir extratos enzimáticos de alfa amilase, amiloglucosidase e celulase, além de aplicá-los na elaboração de pães sem glúten formulados com farinhas de arroz e de grão-de-bico e com féculas de mandioca e de batata. Para caracterização dos extratos enzimáticos foram feitas a dosagem de atividade enzimática, eletroforese em gel de poliacrilamida (SDS-page) e zimograma. Os pães foram elaborados aplicando-se diferentes concentrações dos extratos enzimáticos, e avaliados quanto ao volume específico, parâmetros instrumentais de cor, parâmetros texturais, atividade de água e umidade. As análises de composição química foram realizadas na melhor formulação com a aplicação dos extratos enzimáticos e na formulação controle. Através do zimograma foi possível observar a atividade das enzimas amilolíticas e de celulase. A utilização de 2 mL do extrato de alfa amilase e amiloglucosidase garantiu o aumento significativo do volume do pão em relação às demais formulações, além de melhorar significativamente os parâmetros de dureza e mastigabilidade e aumento significativo da umidade em relação à formulação controle. Assim, a utilização de extrato enzimático de alfa amilase e amiloglucosidase pode ser uma alternativa viável para melhorar as características de textura e volume específico de pães sem glúten.
Palavras-chave: alimento sem glúten; amido; enzimas; farinha de arroz; farinha de grão-de-bico.
INTRODUÇÃO
A relação nutrição e saúde tem influenciado o consumo de produtos alimentícios, dentre esses os pães e produtos de panificação com compostos que tem efeitos significativos na saúde e mais naturais. Nesse contexto, pesquisas têm sido desenvolvidas para enriquecimento nutricional e funcional em termos de fibra alimentar, antioxidantes, bactérias probióticas, vitaminas e minerais (1).
De acordo com Kreutz et al. (2), ao visar substituições nutritivas e com características tecnológicas semelhantes ao glúten, as farinhas de grãos sem glúten ricos em proteínas, fibras, vitaminas, minerais e ácidos graxos poli-insaturados, inclui os pseudocereais, tais como o amaranto, a chia, a quinoa dentre outros, que representam uma fonte segura para a elaboração de produtos isentos de glúten, como também podem melhorar as suas propriedades nutricionais e sensoriais.
O uso de conservantes químicos é muito comum em produtos panificados, com isso, tem-se intensificado pesquisas por substitutos naturais dos conservantes de ácidos orgânicos (3). As enzimas podem ser utilizadas como uma alternativa para a substituição de aditivos químicos, como melhoradores de farinha e emulsificantes, já que apresentam efeitos na otimização da fermentação, melhora da textura da massa e maciez do miolo e aumento de volume dos pães. A utilização de enzimas também vem sendo indicada como uma alternativa importante para melhorar as propriedades tecnológicas e sensoriais de produtos de panificação sem glúten, que são normalmente caracterizados por apresentar vários defeitos pós-cozimento, como textura endurecida do miolo, volume reduzido, cor mais clara do miolo e da casca, vida útil e valor nutricional reduzidos (4; 5). As enzimas são proteínas que, além de melhorar a qualidade do produto final, também auxiliam positivamente na vida útil do produto, tendo ação, antienvelhecimento (anti-staling), aumentando também a competitividade do produto no mercado (6).
As amilases e glucoamilases (amiloglucosidase) são enzimas normalmente utilizadas para aplicação em produtos alimentícios, sendo definidas como glicoproteínas extracelulares sintetizadas por diferentes espécies de micro-organismos, entre eles Apergillus, Bacillus e Streptomyces, apresentando ampla aplicação em diversas áreas como a indústria de alimentos e bebidas, têxtil, farmacêutica, de papel e detergentes (7; 8) Especialmente nas indústrias alimentícias, a alfa amilase e amiloglucosidase são normalmente empregadas de forma concomitante nos processos de hidrólise do amido, que ocorre basicamente em duas etapas, onde a alfa amilase é responsável pela hidrólise das ligações glicosídicas α (1-4) e a amiloglucosidase pela hidrólise das ligações α (1-6) das extremidades não redutoras (9).
A partir da degradação do amido são gerados polissacarídeos de baixo peso molecular e dextrinas, o que leva ao aumento da presença de açúcares fermentáveis, otimizando a ação fermentativa da levedura e o aumento da liberação de gás na massa, provocando efeitos desejáveis no aumento de volume dos pães e melhora da textura do miolo. Além disso, a maior presença de açúcares redutores leva á formação de produtos resultantes da reação de Maillard, intensificando o sabor dos pães e escurecimento da casca (4; 10).
Outra enzima normalmente utilizada em diversas áreas da indústria é a celulase, uma enzima capaz de degradar a celulose, o principal polissacarídeo que compõe a parede celular dos vegetais, gerando como produtos primários a glicose, celobiose e celo-oligossacarídeos, o que garante às celulases importantes aplicações industriais na área de alimentos, detergentes, têxtil e ração animal (11; 12). Os oligossacarídeos gerados a partir da degradação da celulose são carboidratos parcialmente fermentáveis pelas bactérias que compõe a flora intestinal, podendo ser-lhes atribuída funçãoprebiótica. Assim, as celulases podem ter influência na melhora do valor nutricional dos produtos alimentícios (13).
O desenvolvimento de produtos sem glúten muitas vezes traz desafios aos pesquisadores de alimentos e a indústria, uma vez que devem produzir produtos de alta qualidade e com características equivalentes aos que contém glúten para melhor atender aos requisitos dos consumidores (14). Assim, o objetivo do estudo foi produzir e aplicar extratos enzimáticos de alfa amilase, amiloglucosidase e celulase oriundos de subprodutos da industrialização de arroz na formulação de pães sem glúten elaborados com farinhas de arroz e de grão-de-bico e féculas de mandioca e de batata, visando a melhoria das propriedades físicas e sensoriais do produto, assim como fornecer uma nova opção de formulação para portadores de restrição ao consumo do glúten.
MATERIAL E MÉTODOS
Os ingredientes para a formulação dos pães foram obtidos por doação ou adquiridos localmente: os grãos quebrados de arroz e a fécula de mandioca foram doados pelas empresas Cristal Alimentos e FEBELA Agroindustrial Ltda., respectivamente, ambas localizadas no estado de Goiás, enquanto o grão-de-bico, a fécula de batata e outros ingredientes foram comprados no comércio local em Goiânia. As enzimas foram produzidas no Laboratório de Bioquímica da Universidade Federal de Goiás e foram obtidas a partir de resíduos da industrialização de arroz, utilizando farelo e casca de arroz como substratos para a produção dos extratos de celulase, alfaamilase e amiloglucosidase.
PRODUÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DOS EXTRATOS ENZIMÁTICOS
Fermentação semi-sólida
A produção e caracterização dos extratos enzimáticos foi realizada por fermentação semi-sólida segundo a metodologia adaptada de Bakri, Jacques e Thonart (15). Streptomyces thermocerredoensis I3 em placa contendo meio Pridham (extrato de levedura 4,0 g L-1; extrato de malte 10gL-1; C6H12O6; ágar 20 g L-1; água destilada) foi cultivado em placas com meio Pridham sólido a 37°C por três dias. Posteriormente, 100 mL de meio Pridham líquido (extrato de levedura 4,0 g L-1; extrato de malte 10 g L-1; C6H12O6; água destilada) e 5 g de substrato foram autoclavados em erlenmeyers, onde 2 mL de suspensão de esporos, previamente coletados de placas cultivadas, foram inoculados. As culturas foram incubadas sob agitação a 37 °C por quatro dias, após os quais o sobrenadante foi coletado por centrifugação e armazenado congelado até posterior análises.
Determinação da atividade enzimática para celulase
A dosagem da atividade enzimática foi realizada por microensaio, seguindo metodologia adaptada de Ramada et al. (16). Em placas de microensaio, 50 µL de CMC diluído em tampão citrato de sódio (pH 4,8) foram misturados com 50 µL do extrato enzimático e incubados por 1 hora a 50 °C em termociclador. Para o controle, apenas CMC foi utilizado. Após a incubação, 100 µL de ADNS foram adicionados, e a mistura foi aquecida a 100 °C por 5 minutos. A absorbância foi medida a 540 nm em espectrofotômetro, e a atividade enzimática foi determinada com base em uma curva padrão.
Determinação da atividade enzimática para alfa amilase e amiloglucosidase
A atividade enzimática de amiloglucosidase e alfa-amilase foi determinada com base na metodologia de Almeida et al. (17). Para amiloglucosidase, 60 µL do extrato enzimático, 40 µL de tampão citrato de sódio e 100 µL de solução de amido (0,5%) foram incubados a 37 °C por 30 minutos, com o branco contendo o extrato enzimático fervido. Após a reação, 500 µL de ADNS e 300 µL de tampão foram adicionados, seguidos por aquecimento a 100 °C por 5 minutos, com leitura da absorbância a 550 nm. Para alfa-amilase, o mesmo volume de extrato, tampão e substrato foi incubado a 42 °C por 30 minutos, com o branco utilizando o extrato fervido. Em seguida, 200 µL de ácido acético, 200 µL de solução de iodo Fuwa e 9,4 mL de água destilada foram adicionados, e a leitura foi feita a 660 nm. A atividade enzimática foi calculada com base em curvas padrão.
Eletroforese em gel de poliacrilamidado sulfato dodecil de sódio (SDS-Page)
A elaboração do gel de poliacrilamida seguiu a metodologia de Laemmli(18), utilizando um gel de concentração (2%) e um gel de separação (12%). As amostrasforam incubadas com TCA (20%) por 1 hora, lavadas com acetona refrigerada epreparadas com tampão contendo Tris-HCl, SDS (4%), azul de bromofenol (0,2%),glicerol (20%) e mercaptoetanol (10%). Após aplicação no gel, realizou-se a corridaeletroforética, seguida por coloração com solução de Coomassie blue (0,1%) emmetanol (40%) e ácido acético (10%) por 1 hora. O gel foi descorado até que as bandasficassem visíveis e as massas moleculares foram analisadas com base no marcadorBLUeye Prestained Protein Ladder (10-245 kDa).
Zimograma
A determinação da atividade de enzimas amilolíticas e celulásicas foi realizada por zimograma, seguindo metodologias adaptadas de Wanderley et al. (19) e Blum et al. (20). Para enzimas amilolíticas, após a eletroforese, o gel foi incubado em tampão acetato de sódio (50 mM, pH 5,5) por 1 hora e, posteriormente, em solução de tampão com amido solúvel (0,5%) por 12 horas a 4 °C, seguido de 2 horas a 37 °C. A detecção dos halos foi feita com solução de iodo. Para celulases, o gel de poliacrilamida continha CMC (0,2%), e após a eletroforese foi incubado em solução Triton X-100 (1%) por 1 hora e em tampão citrato de sódio (50 mM, pH 4,8) por 12 horas a 50 °C. O gel foi corado com vermelho congo (0,1%) por 20 minutos e lavado com NaCl (1 M) para visualização dos halos enzimáticos.
FORMULAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DOS PÃES
Os pães foram elaborados nos laboratórios da Escola Senai Vila Canaã, em Goiânia, Goiás, utilizando uma formulação ajustada a partir de testes preliminares, com base em 100 g da mistura de farinhas e féculas. Os demais ingredientes incluíram ovo, óleo vegetal, açúcar, goma xantana, fermento biológico seco, sal e água mineral. A preparação seguiu etapas específicas: os ingredientes líquidos e o açúcar foram inicialmente homogeneizados por 1 minuto e 30 segundos em batedeira planetária, seguidos pela adição das farinhas, água, extrato enzimático e fermento, com nova homogeneização por 1 minuto. O sal e a goma xantana foram então adicionados e misturados por mais 1 minuto. Após modelagem, a massa fermentou a 35 °C e 85% de umidade por 40 minutos em câmara de fermentação, sendo em seguida assada a 180 °C por 20 minutos.
A aplicação das enzimas nas formulações de pães sem glúten foi realizada a partir de delineamento inteiramente casualizado (DIC). Foram utilizadosdois extratos enzimáticos em concentrações diferentes (Tabela 1), elaboradas 3 repetições para cada formulação.

Caracterização física
A análise de volume específico dos pães foi realizada após resfriamento a 25 °C ± 2 °C, com a pesagem em balança analítica e determinação do volume pelo deslocamento de sementes de painço (21). O volume específico foi calculado pela razão entre volume e massa.
A textura foi avaliada em texturômetro Stable Micro Sistem (TA HD Plus) (22), analisando dureza, elasticidade, coesividade e mastigabilidade, utilizando probe cilíndrico (20 mm) e fatias de 20 mm de espessura, com 10 repetições por replicata. A cor foi mensurada por colorímetro no sistema CIE Lab*, registrando luminosidade (L*), tons de vermelho/verde (a*) e azul/amarelo (b*), além do cálculo do croma e ângulo Hue (23), com 10 repetições por replicata.
Caracterização química
A composição centesimal foi determinada para a formulação controle (pão sem glúten sem extrato enzimático) e para a formulação com extrato enzimático com melhor desempenho físico (24). O teor de proteínas foi avaliado pelo método de Micro-Kjeldahl (AACC 46-13), com digestão, destilação e titulação, usando 6,25 como fator de conversão. O teor de lipídios foi obtido pelo método Soxhlet com éter de petróleo (AOAC 920.39 C), a umidade por dessecação em estufa a 105°C até peso constante (AOAC 920.39), as cinzas por incineração em mufla a 550°C (AOAC 900.02), e as fibras alimentares pelo método enzimogravimétrico. Os carboidratos totais foram calculados por diferença, subtraindo-se de 100 os valores de umidade, cinzas, proteínas e lipídios, e o valor energético total foi estimado pelo método de Atwater, considerando 4 kcal/g para carboidratos e proteínas e 9 kcal/g para lipídios. A atividade de água foi mensurada em higrômetro de ponto de orvalho Acqua Lab a 24 ± 1 °C.
Análise estatística
A análise estatística dos resultados foi realizada utilizando o software STATISTICA 7.0. A análise de variância (ANOVA) foi aplicada com nível de significância de 5% (p<0,05). Para os dados de volume específico, parâmetros de textura, cor, umidade e atividade de água, as médias foram comparadas pelo Teste de Tukey. Já para a avaliação da composição físico-química, pH e acidez total titulável, as médias da melhor formulação e da formulação controle foram comparadas pelo Teste t para verificar diferenças significativas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Figura 1 representa o gel de poliacrilamida e os zimogramas obtidos para o extrato enzimático de alfa amilase e amiloglucosidase e para o extrato enzimático de celulase.

As manchas esbranquiçadas no zimograma confirmam a atividade enzimática de alfa amilase e amiloglucosidase (Figura 1B) e de celulase (Figura 1C) nos extratos analisados. Para alfa amilase e amiloglucosidase foram determinadas as atividades enzimáticas, respectivamente, de 2,68 U/mg e 4,53 U/mL, e para celulase foi determinada a atividade enzimática de 0,89 U/mL.
Frantz et al. (25) produziram extratos enzimáticos a partir do macromiceto Coprinus comatus utilizando subprodutos do trigo, e encontraram valores de atividade enzimática para alfa amilase que variaram de 3,69 U mL-1a 6,07 U mL-1, sendo maiores que os encontrados nesse estudo, e valores de atividade enzimática para amiloglucosidase que variaram de 0,26 U mL-1a 0,64 U mL-1, sendo menores do que os encontrados nessa pesquisa.
Rodrigues et al. (26) utilizaram cepas do fungo Aspergillus niger em seus experimentos, reportando uma atividade enzimática de 4,24 U/mL no ponto central das condições analisadas. Esse valor demonstrou-se superior ao obtido na presente pesquisa, indicando maior eficiência nas condições experimentais empregadas pelos autores. Além disso, eles destacaram que a utilização de enzimas derivadas do reaproveitamento de subprodutos agroindustriais representa uma estratégia sustentável, capaz de agregar valor à cadeia produtiva. Essa abordagem não apenas oferece vantagens econômicas, como a redução de custos e a geração de produtos de maior valor agregado, mas também promove benefícios ambientais, ao minimizar o desperdício e reduzir o impacto ambiental causado pelos resíduos.
A partir do gel de poliacrilamida (Figura 1A), foi possível observar a presença de uma grande quantidade de bandas em ambos os extratos enzimáticos analisados, indicando que a atividade metabólica do micro-organismo liberou vários resíduos no meio, o que pode reduzir a atividade enzimática das enzimas analisadas nessa pesquisa. A Tabela 2 representa os valores obtidos a partir a partir das análises físicas dos pães formulados com diferentes concentrações dos extratos enzimáticos de alfa amilase e amiloglucosidase e de celulase.
A formulação F4 apresentou volume específico significativamente maior em relação às demais formulações, inclusive para a formulação controle. Foi possível perceber que a adição dos extratos enzimáticos reduziu de forma significativamente a dureza dos pães sem glúten em relação à formulação controle, sendo que a formulação F4 foi similar às formulações F1, F5 e F6. Em relação à mastigabilidade, a formulação controle também apresentou diferença significativamente maior em relação às demais formulações e a formulação F4 mostrou-se similar às formulações F1, F2 e F5. As formulações não apresentaram diferenças significativas entre o controle e as demais formulações quanto aos parâmetros de elasticidade, coesividade e atividade de água.

A formulação F4 apresentou volume específico significativamente maior em relação às demais formulações, inclusive para a formulação controle. Foi possível perceber que a adição dos extratos enzimáticos reduziu de forma significativamente a dureza dos pães sem glúten em relação à formulação controle, sendo que a formulação F4 foi similar às formulações F1, F5 e F6. Em relação à mastigabilidade, a formulação controle também apresentou diferença significativamente maior em relação às demais formulações e a formulação F4 mostrou-se similar às formulações F1, F2 e F5. As formulações não apresentaram diferenças significativas entre o controle e as demais formulações quanto aos parâmetros de elasticidade, coesividade e atividade de água.
Azizi S. (27) formulou pães sem glúten com farinha de arroz e de amaranto, observando que enzimas lipase e protease reduziram a dureza, porosidade e volume específico com 15% de farinha de amaranto, enquanto aumentaram essas propriedades com 25%. Assim, o uso de enzimas foi benéfico com 25%, melhorando textura, porosidade e volume. Haghighat-Kharazi et al. (28) analisaram pães sem glúten elaborados com farinha de arroz e farinha de grão-de-bico e com a adição de amilase, verificando que a enzima não provocou alterações no volume específico dos pães, mas teve influência no aumento da umidade e na redução do valor de dureza. Sciarini et al. (29) também analisaram pães sem glúten com adição de diferentes concentrações de alfa amilase, e observaram que a utilização da enzima influenciou no aumento do volume específico e na redução dos valores de dureza dos pães, assim como os resultados encontrados nesse estudo.
Liu et al. (30) e Sciarini et al. (29) avaliaram o comportamento reológico da massa de pães, respectivamente, de farinha de trigo e sem glúten, após a adição de alfa amilase e observaram que a enzima foi capaz de reduzir a resistência à extensão da massa, o que permite maior expansão e redução da dureza dos pães, mas também pode afetar a estabilidade da massa durante o processo de cocção. Segundo os autores, asenzimas amilolíticas atuam na hidrólise das moléculas de amido, liberando dextrinas de baixo peso molecular, o que fornece maior quantidade de açúcar fermentescível e favorece a fermentação, mas também é capaz de interferir na textura da pasta. Nesse estudo também se observou a interferência da adição e da concentração de extrato de enzimas no aumento de expansão e diminuição da dureza de formulações de pães elaborados com farinha de grão-de-bico, farinha de arroz, fécula de mandioca e fécula de batata.
A farinha de grão-de-bico apresenta bom teor de fibras e proteínas, podendo auxiliar na emulsificação e na manutenção da estabilidade da massa, garantindo melhor estrutura para a expansão e retenção de gás proporcionada pela ação das enzimas amilolíticas durante o processo de fermentação e cocção dos pães (31, 32). A influência do teor de fibras na estabilidade de massas adicionadas de amilase também foi observada por Liu et al. (30), que avaliou pães formulados com farinha de trigo e com a adição de farelo de trigo, constatando que a adição de α-amilase na massa regular reduziu tanto a resistência à extensão quanto a estabilidade da massa, porém a adição de alfa amilase nos pães com farelo de trigo reduziu a resistência á extensão, mas também foi capaz de manter a estabilidade da massa, o que é importante para a retenção de ar e o crescimento uniforme dos pães durante a cocção.
A adição do extrato enzimático de celulase reduziu a dureza dos pães em relação à formulação controle, mas não teve efeito no aumento do volume específico, o que pode estar relacionado à digestão enzimática da celulose que transforma parte da fibra insolúvel presente na massa em fibra solúvel (33). Efeito semelhante foi encontrado por Liu et al. (30), que avaliaram os efeitos da adição de celulase em pães com farelo de trigo, observando a enzima foi capaz de reduzir a dureza e a resistência à extensão, mas também reduziu a estabilidade da pasta, o que pode, segundo o autor, prejudicar a expansão e a retenção de ar na massa. Nesse estudo, foi possível verificar que a concentração do extrato enzimático pode ter influência positiva ou negativa nas características dos pães produzidos.
Pães sem glúten geralmente utilizam nas suas massas amidos refinados, com pouca fibra alimentar. Com isso, durante o processo de gelatinização e fermentação demandam grandes quantidades de água (34). A incorporação de fibras no processo produtivo de pães sem glúten é um fator positivo, uma vez que as fibras tem alta capacidade de retenção de água (35). As fibras solúveis são capazes de melhorar os parâmetros de textura de pães sem glúten devido à sua capacidade de emulsificação, mas, quando em excesso, podem competir com o amido para a absorção de água e prejudicar o processo de gelatinização dos grânulos. Por outro lado, as fibras insolúveis permanecem praticamente inalteradas durante a fermentação e cocção dos pães, auxiliando na manutenção da estabilidade e estrutura da massa durante o processo de expansão (36).
A formulação controle apresentou um valor de umidade significativamente menor em comparação com as formulações F4, F5 e F6. Haghighat-Kharazi et al. (28) também observaram que a adição de alfa-amilase aumenta a umidade de pães sem glúten, resultado atribuído à maior absorção de água pelas moléculas geradas pela digestão enzimática do amido. Segundo os autores, esse efeito é essencial para evitar a textura esfarelenta do miolo e reduzir a dureza dos pães.
Os valores obtidos a partir da análise dos parâmetros instrumentais de cor dos pães formulados estão representados na Tabela 3. As formulações não apresentaram diferenças significativas para os parâmetros de L* e Hue do miolo, e b*, C* e Hue da casca. Para os parâmetros de L* e a* da casca não foi possível identificar uma tendência de aumento ou redução dos valores de acordo com o extrato enzimático ou sua respectiva quantidade adicionada.
Foi observado que as formulações F3, F4, F5 e F6, que foram elaboradas com a adição de extrato enzimático de alfa amilase e amiloglucosidase, apresentaram maiores valore de a* do miolo em relação à formulação controle, que não possui adição de extrato enzimático, e em relação às formulações F1 e F2, que foram elaboradas apenas com o extrato enzimático de celulase. Para o parâmetro C* do miolo, as formulações F3, F4, F5 e F6 não apresentaram diferenças significativas entre si. Alterações nos parâmetros de cor de pães sem glúten a partir da adição de amilase à formulação também foram relatadas por Haghighat-Kharazi et al. (28), que identificaram aumento no valor da coordenada de cromaticidade b* da casca, o que pode estar relacionado à maior concentração de açúcares livres na massa gerados a partir da digestão enzimática do amido, o que propicia maior interação com os aminoácidos e as reações de Maillard e de caramelização. Porém, tal alteração não foi observada na casca das formulações desse experimento.

Como não foram observadas variações relevantes nos parâmetros instrumentais de cor entre as diferentes formulações e o controle, optou-se por selecionar como formulação ideal a que apresentou menor valor de dureza, mastigabilidade significativamente menor em relação à formulação controle e volume específico significativamente maior em relação às demais formulações. Assim, a formulação F4, que teve a adição de 2 mL do extrato enzimático de alfa amilase e amiloglucosidase, foi selecionada como sendo a ideal e, portanto, utilizada para realizar as análises físicoquímicas em comparação com o controle.
A Figura 2 representa os pães elaborados com as diferentes concentrações dos extratos enzimáticos de alfa amilase e amiloglucosidase e de celulase. A partir das imagens, foi possível perceber que os pães F3 e F4, formulados apenas com extrato enzimático de alfa amilase e amiloglucosidase, apresentaram aparentemente a casca mais arredondada e, portanto, maior crescimento e estrutura mais uniformes da massa. As demais formulações, que receberam adição do extrato enzimático de celulase, mesmo que em diferentes proporções, apresentaram a casca mais plana, podendo estar relacionada à maior dificuldade de expansão da massa devido á digestão da estrutura das fibras insolúveis pela enzima.

A Tabela 4 representa os valores obtidos a partir da análise físico-química, de pH e acidez total titulável da formulação F4 e da formulação controle. A adição de enzimas amilolíticas nas formulações não teve influência no valor de cinzas, cinzas, pH e acidez total titulável dos pães sem glúten, mas reduziu de forma significativa os valores de carboidratos disponíveis e carboidratos totais e aumentou os valores de proteínas e lipídios. A redução nos valores de carboidratos já era esperada, já que, as enzimas amilolíticas,como a α-amilase, são capazes de hidrolisar as moléculas de amido em moléculas menores, proporcionando uma maior liberação de açúcares fermentescíveis, que por sua vez, serão consumidos por micro-organismos durante o processo de fermentação (37).

Quanto ao aumento de proteínas, além das enzimas extracelulares, o Streptomyces pode secretar diversos peptídeos como metabólitos secundários (38), o que pode explicar o aumento do teor de proteínas dos pães formulados com adição do extrato enzimático em relação à formulação controle. A secreção dos metabólitos secundários também pode ser observada a partir da quantidade de bandas obtidas no gel de poliacrilamida (Figura 1A). Frantz et al. (25) identificaram que o pH ótimo para a atividade enzimática da α- amilase e amiloglucosidase no extrato bruto foi de, respectivamente, 6,0 e 6,5. Os pães formulados com adição de extrato enzimático apresentaram pH de 6,13, considerado então apropriado para a adequada atividade das enzimas utilizadas.
CONCLUSÕES
A produção de enzimas a partir de resíduos da indústria do arroz, como casca e farelo, mostrou-se viável, embora sejam necessários estudos para otimizar sua atividade. A aplicação de 2 mL de extrato enzimático contendo alfa-amilase e amiloglucosidase melhorou a textura dos pães sem glúten, reduzindo a dureza, aumentando o volume específico e a umidade, além de diminuir os carboidratos disponíveis sem alterar o teor de fibras. Essas enzimas representam uma alternativa sustentável para o desenvolvimento de pães sem glúten com qualidade aprimorada, ampliando as opções para consumidores com restrição ao glúten.
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